domingo, 31 de outubro de 2010

Aldrabas e batentes

Cante ao despique

Messejana n'algum dia
tiveste bons cantadores
e no despique cantavam
sempre com muita alegria
tiveste bons cantadores
Messejana n'algum dia.

Quem me dera ouvir cantar
como se ouvia algum dia
os cantadores de despique
belos serões alegrar
como se ouvia algum dia
quem me dera ouvir cantar.
 ...

Tudo o que há nesta vida
um dia tem de morrer
nã vale a pena andares
assim tão iludida
tudo o que há nesta vida

É triste um homem andar
a trabalhar para aquecer
trabalhar de sol a sol
e não ter dinheiro para gastar
a trabalhar para aquecer
é triste um homem andar.

Messejana de algum dia
eras bonita a valer
mas com o correr do tempo
perdeste a fidalguia
eras bonita a valer
Messejana de algum dia.
 ...

Desta vida de tristeza
eu já não espero nada
vejo chegando o meu fim
disso tenho a certeza
eu já não espero nada
desta vida de tristeza.

nunca vivi desafogado
e a vida não me deu nada
cheguei ao fim da jornada
estou já velho e cansado
a vida não me deu nada
nunca vivi desafogado.

Segundo Mª. Vitória de Brito Ruas, "apareciam na venda (...) desafiavam-se uns aos outros para cantar (...) um cantador lançava ao ar uma quadra, que podia ser sobre o tempo, as lavouras, outros trabalhos do campo, ou entrando a meter-se nalguns podres da vida de alguém do grupo, ou de qualquer ocorrência".
"Lançada ao ar essa quadra, o cantador seguinte cantava (...) concordava ou não com o primeiro (...) por isso se chama despique".
"Antes de começar o cante escolhiam o ponto, que era a última sílaba do segundo verso da quadra (...) poucos cantadores aguentavam muito tempo a cantar; faltavam-lhe as palavras (...) quando algum cantador repetia a palavra do ponto que já havia sido usada por outro cantador, diz-se que pisava o ponto e era por isso penalizado. A pena consistia em pagar uma rodada de copos".
"Na quadra de despique há o dobre, isto é, o primeiro verso é o que termina a estrofe; depois tem a rima abraçada que são os dois versos soltos, entre o primeiro e o quarto, que não rimam, e o último da quadra que rima com o primeiro".

sábado, 30 de outubro de 2010

Do cante alentejano, do bailarico, do mastro, do S. João

A treze do mês de Junho
Santo António se promove
S. João em vinte e quatro
E o S. Pedro a vinte e nove..
 ...
Aperta-me a minha mão
té que eu diga deixa amor
Quem mais aperta mais quer
Quem mais quer não sente dor.

Eu não sei que sinto amor
Quando chegas a meu par
Sinto dentro do meu pêto
Um coração palpitar.
...

Maria da Rocha
Da Rocha rochedo
Quem namora a Rocha
Não deve ter medo!

Não deve ter medo
E medo não tem
Maria da Rocha
Da Rocha, meu bem.

Aldrabas e batentes

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Do Cante alentejano

Eu aprendi a cantar
lavrando a terra molhada
lá na solidão dos campos
pensando em ti minha amada.

...

Minha terra verde malva
nas primaveras floridas
um sonho quente de verão
nas campinas ressequidas.

..

Montes na planície a alvejar
são contas dum rosário de saudades
fontes de silêncio a escutar
o cante dos ceifeiros nas herdades.

...

Minha campina amarela
da cor do vento suão
onde crescem ilusões
de misturar com o pão.

Alentejo não tem sombra
senão a que vem do céu
abrigue-se aqui menina
debaixo do meu chapéu.

E a criatividade do cantor permitia-lhe fazer a sua própria composição, servindo-se do fundamental da quadra, adaptava-a à sua linguagem:

O Alentejo não tem sombra
senão a que vem do céu
assenta-te aqui amori
à sombra do mê chapéu.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Aldrabas e batentes

Joaquim da Costa Velhinho

Ainda do Velhinho, publico o seu poema Pragasina.
Versa sobre o seu amor por uma mulher, que o trocou por outro. Para vingar-se compôs este poema, que é como quem diz, rogou-lhe uma praga!

Os céus que faltem, oh! ingrata,
Que nada tenhas que mandes (?!)
Que dentro dum cesto andes // Entrevada!

E à borda de uma estrada
Te ponham em padiola
Pedindo esmola // A quem passar!

E quem para ti olhar
De te ver tenha vergonha,
E que a mesma peçonha // De ti fuja!

Vida tenhas de corucha!*
Do morcego a liberdade
Vivendo na escuridade // Pois é falsa!

Antes despida e descalça!
Que de te ver fuja a gente!
Que nem d'amigo nem parente // Te socorras!

E assim como Judas morras
Enforcada!

*Suponho que esta palavra queira dizer: coruja.

Resta dizer que continuo a ter como fonte, os Cadernos Culturais de Messejana.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Joaquim da Costa Velhinho

Isto de cantar é arte
Que Deus deu às criaturas
Quem não sabe tactêa
Como se estivesse às escuras.
 ...

O diabo te leve arado
E mais a mão que te fez!
Mais de cento e uma vez
Já te tenho excomungado!
Um homem com um machado,
Ahi de qualquer chamiço
Faz um arado inteiriço
Para um boi e p'ra uma vaca!...
Não lhe bonda andar d' estaca
E ainda é engasgadiço!...

Velhinho, de Messejana, era ganhão, morreu cerca de 1870. Sabia ler e mal escrever, mas era um bom fazedor de poesia.
O despique era uma tradição muito viva e praticado com frequência, mobilizando os poetas e cantadores dos mais recônditos lugares.
As  décimas que se seguem são disso um exemplo, em que Velhinho se confronta com o poeta Pôtra - Braz Martins Beirão, pastor, analfabeto, da vila de Cuba, que a Messejana se deslocou para despicar...

Fala o Velhinho:

Tenho casas assombradas
E de marfim são as telhas.
De bois tenho cem parelhas,
De éguas oitenta manadas,
E mil vacas afilhadas
Com uma linda criação,
Sou forte como Sansão
P'ra vencer toda a Turquia,
E tenho mais sabedoria
Do que teve Salomão.

Ao que Pôtra responde prontamente:

Dessa tua abonação
Muito me farto de rir!
Eu sempre semeei em Abril
Quatrocentos moios de pão -
-Não falando do temporão
Que foram eles dobrados!
Tenho oitenta mil cruzados
E herdades noventa mil!
Já é meu todo o Brazil!
Tenho em Hespanha cem morgados!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sofia, de Messejana

Amôr é candeia acêsa
No peito de quem o tem,
É vontade de estar presa
Entre os braços do seu bem.

Amôr é gado na fôrra
De vontade encurralado,
É mocidade na bôrra
Desarmado do cuidado.

Amôr é sonho florido
Vai no vento como o fumo,
Rapariga sem marido
Perde na vida seu rumo.

Amor é fogueira ardendo
Dentro de nós sem se ver,
É cancro que vai comendo
Devagar, até morrer.

É uma ribeira corrente
De pedra em pedra a saltar
Murmulhando docemente
Vai-se, perder-se no mar.

É uma vela sempre a arder,
É mal que bem se acata,
Queima e não nos faz doer,
É nó que a morte desata.

O amor é sempre int'resseiro
E por vezes criminoso
Nem até um verdadeiro
Faz qualquer ente ditoso.

Nota: transcrição tal como publicado nos Cadernos Culturais (nº.IV) de Messejana.
Sofia dos Remédios Passanha de Morais Afonso Romano, cuja data de nascimento desconheço, faleceu no ano de 1897.

domingo, 24 de outubro de 2010

Rafael Augusto Rodrigues

O Rafael, convidado para participar num debate sobre democracia e justiça social, recentemente realizado, resolveu participar assim:

Depois de ter sido convidado, cá estou presente
Como vai sendo habitual
Para falar, de tanta ruim gente
Que ainda existe em Portugal.

São tantos a mentir
Qual deles o maior mentiroso
Para me poderem impingir
Por me verem já IDOSO.

Contando pelos dedos, já cá cantam 87
Só que os dedos da mão, não são iguais
Ao ter conhecimento, do que se promete
É ver qual deles rouba mais.

Gosto muito de ler, escrever e ver televisão
Sendo a forma de me entreter
Ficando gravado no meu coração
O que muitos, não se cansam de prometer.

De eu tanto ter reclamado
Verifico que nada resulta
Porque na imprensa só é publicado
O que diz respeito à FACE OCULTA...

Pantomineiros, vigaristas e mafiosos
Com as suas típicas maneiras de falar
Tentando sempre enganar, alguns idosos
É um nunca mais acabar.

Alguns julgam-se com muita cultura
Mas só o que sabem é fazer mal
No que vou tendo conhecimento pela leitura
Todos os dias em tanto jornal.

De assim eu escrever, peço desculpa
Porque o que escrevo é só a verdade
Mas se me considerarem alguma culpa
Só poderá ser atribuída, à minha idade.

De eu só assim, saber escrever
Será talvez, uma minha "mania"
Para depois, quem a puder ler
Apreciar, a minha modesta poesia.

"Aviso aos nossos governantes"
Daqui lhes lanço esta aviso
Lembrem-se de praticar o bem
VEJAM SE TEM JUIZO
Porque vocês morrem também.

sábado, 23 de outubro de 2010

Vista parcial de Messejana

O meu amor é um cravo
E eu sou rosa que o mereço
Já mo quiseram comprar
Cravo de amor não tem preço

Estás longe da minha vista
Mas do meu sentido não
Teu retrato trago sempre
Na minha imaginação

Algum dia me dizias
Que eras minha saudade
Agora em tão pouco tempo
Me perdeste a amizade

É tão triste ver partir
Um amor de quem gostamos
Ver na distância sumir
Sem saber quando avistamos.

...

Tenho um jardim mal tratado
Só existe uma flor
Diz-me amiga Catarina
Onde existe o meu amor

Querida amiga não chores
Por um bem que se ausentou
Quem se ausentou logo volta
Que eu nessas esperanças estou.

...

Ó vila de Messejana
Cercada de cravos brancos
Onde meu amor passeia
Domingos e dias santos

Vou andando e vou chorando
Regando os pés às flores
Ai de mim que estou amando
Quem já tem outros amores

Tenho a vista enfraquecida
É talvez de muito ler
No livro negro da vida
Sem nunca o compreender.

Estes são versos de cantigas de trabalho, mas também dos bailes e serões familiares ou de amigos, da região de Messejana, recolhidos por Maria Vitória de Brito Ruas.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Na cultura popular portuguesa, a rima está também muito associada à crendice no poder curativo de rezas, benzeduras e mezinhas. E, ainda hoje é vulgar recorrer-se à benzedura, entre outras coisas, contra o mau olhado. E que dizer do recurso a uma boa bruxaria, para travar o "relacionamento" de um marido com a "outra"... Em verso sempre será mais apelativo, mais convincente!
Apresento, a seguir, alguns exemplos recolhidos por jovens estudantes da região de Arraiolos, Alto Alentejo:

Reza para acabar a trovoada

Santa Bárbara bem dita
Que no céu está escrita
E na terra assinalada
Nossa Senhora espalhe esta trovoada

São Gregório se levantou
seu pezinho levantou
seu pezinho direito calçou.
E eu perguntei-lhe:
Onde vás São Gregório?
Vou espalhar as trovoadas.
Espalhadas lá para bem longe
onde não haja eira nem beira
nem gadelhinho de lã
nem bafo de gente cristã.

...

Oração do quebranto

Padre, filho, Espírito Santo
Deus é berbe, berbe é Deus
Deus te benza, benza-te Deus
Deus te fez, Deus te criou
Deus te tire o quebranto de quem te aquebrantou
Padre, filho, Espírito Santo.

Benzedura da lua

Lua que por aqui passaste
A cor do meu menino levaste
Quando voltares a passar
A tu cor levarás
E a dele deixarás
Em louvor de Deus e da Virgem Maria
Pai Nosso Avé Maria.

Benzedura à casa

A cada canto da casa e em cruz diz-se:
Cruz de Cristo te faço aqui
Espírito maligno foge de mim.
Aleluia, Aleluia, Aleluia.

Benzedura do retorcido

Coso
Carne quebrada, nervo torto
Mesmo isso é que eu coso
Carne quebrada vai à tua casa
Nervo torto vai ao teu posto
Linha desmentida vai a quem te desmentiu
Linha arrendada
vai a quem te arrendou
Que seja de encontrão, que seja de derrubão
Deus te cura pela tua divina mão
Padre Nosso Avé Maria.
(Reza-se nove vezes no primeiro dia, oito no segundo, diminuindo até uma só vez)

A propósito, não resisto a contar algo que me envolveu. Certa vez viajei com a família para casa dos meus sogros.Uma vez chegados ao destino, demos pela falta de uma mala. Armou-se a confusão, já que nessa mala estava a roupa dos miúdos. A minha sogra, muito despachada, acalmou o pessoal: "eu vou resolver isto, a mala vai  aparecer"! Vai daí, mandou responsar a mala, numa responsadeira sua conhecida. Depois do responso feito regressa a casa muito satisfeita e informa: "a mala está em boas mãos e chegar às vossas".
Dois dias depois, ocorreu-me telefonar para a estação da CP, tendo o chefe da dita respondido que a mala tinha sido achada na sala de espera e esperavam que alguém a fosse procurar.
Jamais, em tempo algum, me atrevi a contestar a convicção da minha sogra de que foi o responso que nos devolveu a mala

Eu encomendo o pedido
à luz e à Santa Bela Cruz
E ao rei da Virgindade e às pessoas da Santíssima Trindade
São Romão que estás em Roma
E estás cruado por cruar
São Romão queira livrar o perdido
De homem morto ma encontrem
Homem vivo mal perdido
Livre o perdido de todo o perigo
E venha às mãos do dono para sempre
E ámen Jesus Maria José.
(se enganarem a dizer não aparece, mas se não nos enganarmos, mais dia menos dia aparece. Diz-se nove vezes a reza. No fim diz-se: "Ó Anjo da Guarda, guarda o pedido para sempre, Ámen Jesus Maria José")

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O verso tem sempre uma moral subjacente. Neste caso, servindo-se da metáfora do melro preto, o autor (desconhecido) conta a patifaria praticada a coberto da noite:

O ladrão do negro melro
Toda a noite assobiou,
Mas, chegada a madrugada,
Bateu as asas... voou!

Aqui, apela-se à condescendência com a mulher que se comportou de forma menos digna:

Se vires a infeliz
Não a olhes com desdém;
Olha que a desgraçada
Já foi honesta também.

Nas bodas dos casamentos, quando é chegado o momento dos brindes - As saúdes - os que têm dotes para a rima, é assim que brindam:

Á saúde dos senhores padrinhos
E mais de toda a companha
E muitos parabéns ao noivo
Pela bela moça que apanha.

Também  o ritual pagão do dia da espiga é cantado:

Quinta feira de Ascenção
Saem as moças pró campo
De vestido cor-de-rosa
Na cabeça um laço branco.
Na cabeça um laço branco,
Trazem as espigas na mão,
Saem as moças pró campo,
Quinta feira de Ascenção.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Ceifeiros de Cuba



Ó minha mãe minha mãe
Ó minha mãe minha amada
Quem tem uma mãe tem tudo
Quem não tem mãe não tem nada.

Ao passar da ribeirinha
Pus o pé, molhei a meia
Não casei na minha terra
Fui casar em terra alheia.

Fui casar em terra alheia
Por não querer casar na minha
Pus o pé, molhei a meia
Ao passar da ribeirinha.

...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Joaquim Pinto da Silva

Um releiro em esquadria
Molhos de espiga dourada
É o sonho do ganhão
Fazer uma linda carrada.

Ainda me lembro de ver
O pão que vinha p'rá eira
Subindo ou descendo a ladeira
O pão que hás-de comer
Como era lindo de ver
Sonhando o carro subia
Um molho a quilha fazia
Nesta planície dourada
Eu o via na chapada
Um releiro em esquadria.

Os molhos de cinto de pão
Depois da seara ceifada
Lembra-me a minha amada
Passeando nas noites de verão
E todos dizem que não!
Já lá vem a madrugada
Meu amor fica deitada
Migas me aquecem o peito
Já vejo de qualquer jeito
Molhos de espiga dourada.

Na chafariz água fresquinha
Começa a dar os bons dias
Manel segue outras vias
Lá prós lados da barquinha
Enquanto eu vou vou p'rá Aguentinha
Com a forquilha na mão
Zig-zag na estrada
Pois ela está mal tratada
Fazer a preceito a carrada
É o sonho do ganhão.

Ao restolho vou chegando
Ouço cigarras a cantar
O pó da estrada deixar
Como elas vou cantando
Como elas vou chiando
Não te posso oferecer nada
A jorna está acabada
Vou passar à tua rua
Vou p'rá eira à luz da lua
Fazer uma linda carrada.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

António Francisco Junior (António Flor)


Messejana terra antiga
Terra da minha glória
Não há ninguém que não diga
Que só te resta a história.

Foste terra de grande valor
Como diz o teu passado
Hoje tudo te têm tirado
Nada tens do teu esplendor
O teu destino é traidor
É que te invalida
Em tudo estás reduzida
Já nada consegues ser
Deitaram-te a perder
Messejana terra antiga

Tiveste alguns lagares
Moagens de farinha em rama
Fábrica de móveis com fama
Um lindo grupo de cantares
Hoje vão-te caindo os pilares
Se não me falha a memória
Dá a mão à palmatória
Que de ti se têm orgulhado
Tens o destino marcado
Terra da minha glória.

Antigamente tiveste
Algo de muito valor
Tiveste farmácia e doutor
E a todos assistência deste
Foste um arco celeste
Sei que há quem o não diga
Com suor e com fadiga
Mas longe tinhas fama
Hoje toda a gente reclama
Messejana terra antiga.

Na Senhora da Assunção
Situada nos olivais
Já lá se não fazem mais
As grandes festas de verão
No dia da Ascenção
Tenho disso a memória
Há a descriminatória
De tudo o que se passou
Já tudo o vento levou
Que hoje só te resta a história.

domingo, 17 de outubro de 2010

Modas alentejanas

A rama da oliveira
Deitada no lume estala
Assim é o meu coração
Quando contigo não fala.

-

Azeitona miudinha
Também vai ao "alagar"
Também eu sou pequenina
Mas sou firme no amar

Oliveirinha da serra
O vento leva a flor
Óhi! óhai
Só a mim ninguém me leva
Óhi! óhai!
Para ao pé do meu amor.

-

Óh rama que linda rama
Óh rama da oliveira
O meu par é o mais lindo
Que anda aqui na roda inteira.

Que anda aqui na roda inteira
Aqui e em qualquer lugar
Óh rama óh que linda rama
Óh rama do olival.

-

À entrada desta rua
Dei um ai, abriu-se o chão
Sepultaram-se as estrelas
Morreu o céu com paixão.

-

Já se acabou a azeitona
Já se acabou o dinheiro
Vamos todos a dar vivas
Ao nosso patrão engenheiro.

Quando o sol nasce inclina
Na bandeira castelhana
Mais vale um dia de amor
Que a jorna de uma semana.

-

Meu amor por me deixar
Pensava que eu morria
Cada vez meu coração
Canta com mais alegria.

À minha porta está lama
À tua é um lameiro
Quando falares de mim
Olha para ti primeiro.

Diz-me lá se caso queres
Fazer as pazes comigo
Dá a mão à palmatória
Voltemos ao tempo antigo.

Esse teu dar à cabeça
causa-me admiração
Quando tens mosca de inverno
Que fará em vindo o verão.

-

Quem me dera que voltasse
O tempo da mocidade
Em que mesmo na miséria
Era feliz de verdade.

Por esse campos sem fim
Cantava com alegria
Mesmo trabalhando sempre
Do nascer ao pôr do dia.

Agora é tudo tão triste
Mesmo tendo vida boa
Que eu ao olhar para mim
Julgo-me outra pessoa.

Mas quando há ocasião
Ainda gosto de cantar
Gosto de me advertir
E o passado recordar.

-

Perguntei a uma mãe
Qual era a dor mais sentida
Se ter um filho na guerra
Ou uma filha na vida.

Essa mãe me respondeu
Em tom triste e amargurado
Para maior desgosto meu
Tenho um em cada lado.

-

Não é o ceifar que custa,
Nem o rigor do Verão;
É o ladrão do macaco*
E o cardo beija-mão.

*Dor nas costas, provocada pela postura a que o corpo é forçado.

-

Adeus oh! vila de Ourique
Já lá tens o que tu querias,
Já tens o Tribunal
À custa das freguesias.

Um homem nunca devia
A mocidade deixar
Nem nunca se fazer velho
Para não deixar de amar.

-

Olha a República que já veio
fazer andar os homens todos num enleio,
Todos num enleio todos num leilão,
E Viva a República!... Viva a Nação!

Estas, são canções de trabalho - modas, no dizer alentejano - que eram cantadas nas safras da apanha da azeitona, das sementeiras, da monda, das ceifas, da debulha.Constam de um interessante texto publicado nos
Cadernos Culturais (nº. III), de Messejana. Modas que eram cantadas também no caminho para o trabalho ou para casa e nas adiafas.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

António Maria Coelho

Manuel de Jesus Silveira

Rego abaixo rego acima
eu atrás do meu arado
faço a minha obrigação
eu também sou um soldado

Nem só com armas de guerra
se defende uma nação
eu atrás do meu arado
faço a minha obrigação

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Manuel de Jesus Silveira

Eu via na minha frente
a conta mal dividida
uns trabalharem demais
outros gozarem a vida

Se o Zé Povinho pequeno
tivesse conhecimento
não havia tanto avarento
cá dentro do nosso reino
dividiam o terreno
chegava para toda a gente
porque a terra permanente
cultivada tudo deu
estar a roubar do que é meu
eu via na minha frente

Quem trabalhava muito comia mal
quem trabalhava pouco comia bem
têm contos mais de cem
e o pobre sem ter real
eram senhores do capital
de boa perna estendida
fazendo a nós a partida
para o banco nacional
o que eu via em Portugal
era a conta mal dividida

O grande cultivador
trabalhava noite e dia
era quem lhe dava a valia
eles roubavam-lhe o valor
trabalhava ao frio e ao calor
suspirando e dando ais
os filhos ao pé dos pais
choravam que não tinham pão
era por essa razão
que uns trabalhavam demais

Eu não os via trabalhar
só lhes via prata e ouro
onde tinham esse tesouro
que tanto dinheiro iam buscar
eu só os via passear
no largo e na avenida
não lhes conhecia outra vida
que era viajarem de carro e trem
só os via comer bem
e gozarem boa vida

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Manuel de Jesus Silveira

Diz-me artista se és poeta
se sabes avaliar
dimensões do sol e terra
e do planeta lunar

Se és autor repara bem
se a instrução for tua
diz-me a dimensão da lua
e o tamanho que a terra tem
a luz de onde lhe vem
diz-me se queres ser profeta
procura uma linha recta
debaixo desse farol
e a distância da terra ao sol
diz-me artista se és poeta

Diz-me o veio de rotação
grande ciência se encerra
quantos irmãos tem a terra
e diz-me quais eles são
faz esta observação
para onde os vês girar
mesmo os balanços do mar
quando a maré continua
e a distância da terra à lua
se sabes avaliar

Diz que tempo levará
a luz do sol a chegar
para a terra iluminar
e os habitantes de cá
a grande luz que lhe dá
mesmo do cimo da serra
quem muito estuda pouco erra
eu queria ouvir-te dizer
se tu sabes resolver
dimensão do sol e terra

Toda a luz que a lua tem
diz-me quem lha fornece
a quem a lua a oferece
e essa luz de onde vem
que tempo leva porém
a luz da lua a chegar
precisas de muito estudar
para saber responder
quem a luz vai fornecer
ao planeta lunar

Manuel de Jesus Silveira nasceu em 1930 em Val de Vargo, distrito de Beja. Sabe ler e escrever. Foi trabalhador rural - começou a trabalhar com 10 anos, barbeiro, pedreiro. Foi emigrante em França. Filho de poeta popular e cantador ao despique, com ele aprendeu, e foi inspirado.

sábado, 2 de outubro de 2010

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Manuel de Jesus Silveira

São os escravos da França
os trabalhadores portugueses
o que lá vai uma vez
quer ir duas ou três vezes

Ó dinheiro tu és culpado
de tanta separação
porque queres ver então
o emigrante arrastado
e fazes-lhe isto por vingança
até perdeu a esperança
de mulher e filhos ver
eu afirmo podem crer
que são os escravos da França

É comparação igual
que este meu sentido fez
na França um português
é como um cigano em Portugal
por não nos tratarem mal
fazem da gente maltezes
emigrantes camponeses
nada temos de abundância
tal é a nossa ganância
trabalhadores portugueses

Partes de casa contente
julgando que vais gozar
tu só vais é trabalhar
com saudades na frente
se fores inteligente
vê o contrato que lês
para veres que o francês
de ti quer ser superior
só gostam do teu suor
do que lá vai uma vez

O que este emigrante diz
tudo pode acreditar
devia-se trabalhar
mas cada um no seu país
todo o que for infeliz
que passa por lá seis meses
fuma cigarros gauleses
porque são dos mais baratos
quer fazer novos tratos
quer ir duas ou três vezes