quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

António Maria Eusébio, o Calafate



Um livre pensador para o sino

Oh! Sino da freguesia
Que estás sempre a badalar
Estás-me sempre atormentando
Nunca cessas de tocar.

És meu vizinho que aí estás
Exercendo o teu emprego
Perturbando o meu sossego
E o incómodo que tu me dás.
Não sei quem seja capaz
De acabar tal agonia.
Tinhas melhor serventia
Para andares mais corriqueiro
Se fosses feito em dinheiro
Oh! Sino da freguesia.

às vezes de madrugada
Tocas de teu alto trono,
Interrompendo meu sono
Com inferneira escusada.
Sino não serves para nada
Serves para me apoquentar.
Para me fazer levantar,
O teu toque era escusado
És um intrujão sagrado
Que estás sempre a badalar.

Se dobras sinais de rico,
Apoquenta-me o teu dobre
Se tocas sinais de pobre,
Mais apoquentado fico.
Os teus sons me mortificam
Sejam alegres ou chorando.
Cada vez que estás tocando
Na cabeça me dás choques
Com teus beatos toques


Para haver qualquer festinha,
Ou mesmo ofícios divinos
Escusava de haver sino
Bastava uma campainha.
Tocas pela manhãzinha
Tocas para me inportunar.
Tocas depois do jantar
Tocas de tarde e à noite
Para meu castigo e açoute
Nunca cessas de tocar.


terça-feira, 1 de dezembro de 2009

António Maria Eusébio, o Calafate



Já fui operário artista

Já fui operário artista
Agora, já pouco valho;
Comprem-me algum papelinho,
Em paga do meu trabalho

Glosa

Já gozei a mocidade
Esse bem tão precioso,
Fui homem laborioso
E trabalhei de vontade.
Já servi na sociedade,
Já fui homem moralista,
O meu vulto já fez vista
No seio das classes pobres,
~Já fui nobre ao pé dos nobres,
Já fui operário artista.

Já tive as mãos calejadas
Do muito que trabalhei,
Meus braços atormentei
Com ferramentas pesadas.
Tive horas amarguradas,
Joguei, rasguei o baralho,
Hoje apanho algum retalho
Que a ambição deixa cair,
P'ra pouco posso servir,
Ahora já pouco valho.

Até ando ameaçado
De fome ainda passar,
Por a um homem estimar,
A quem estou obrigado.
Sou pobre velho e cansado,
Estou no fim do meu caminho;
Poorque sou do Zé povinho,
Não devo ser esquecido,
Seja qual for o partido,
Comprem-me algum papelinho.

Nunca fiz ruins papeis
Nem andei pondo cartazes
Nem atirei aos rapazes
Com moedas de dez réis.
Falem, pois, os infieis,
Chamem-me velho, espantalho;
Como, agora já não valho
De tabaco uma pitada,
Levo alguma bofetada
Em paga do meu trabalho.