sábado, 31 de março de 2012

Maria Pimentel Montenegro

Pedra de Xadrez

Fui pião e cavaleiro
deste jogo de xadrez.
Percorri o tabuleiro
em jeito diagonal
pela mão da fantasia.
Mas surgiu a dama preta
mais o bispo transversal,
e perdi a minha vez.

Já dei cheque-mate ao rei
e desde então até agora
(por meu bem ou por meu mal)
sou torre de pedra branca,
firme, erecta e vertical.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Frei João de Nossa Senhora

No Rossio se faz festa
Na Vitória pregação;
Pouca gente assiste nesta,
Mas naquela multidão.

Três vezes divertimento
Bem se pudera escapar
Tanto rir, tanto folgar
Pode parar em tristeza.

Na doutrina de Maria
Tenha Lisboa certeza,
Que toda a sua alegria
Há-de parar em tristeza.

Frei João, era um frade xabregano, opositor das touradas que se faziam em Lisboa, no Rossio. Estas quadras, disparou-as no decorrer de um ofício religioso na igreja da Vitória, enquanto decorria uma dessas touradas.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Fialho D'Almeida

Dei três voltas ao castelo,
Sem achar por onde entrar,
-Soldadito d'armas brancas,
Vist'lo por aqui passar?

Esse soldado, senhora,
Morto está no areal;
O corpo tem-no na areia,
E a cabeça no juncal...

Três chagas tem no seu corpo,
E todas três são mortais:
Por uma entra o sol,
E por outra entra o luar.

Pela mais pequena delas
Entrava águia real,
Com suas asas abertas,
Sem as ensanguentar.

Três chagas tem o seu corpo,
E todas três são mortais...

quarta-feira, 28 de março de 2012

Agostinho Neto

Havemos de voltar

Às casas, às nossas lavras
às praias, aos nossos campos
havemos de voltar

Às nossas terras
vermelhas do café
brancas do algodão
verdes dos milheirais
havemos de voltar

Às nossas minas de diamantes
ouro, cobre, de petróleo
havemos de voltar

Aos nossos rios, nossos lagos
às montanhas, às florestas
havemos de voltar

À frescura da mulemba
às nossas tradições
aos ritmos e às fogueiras
havemos de voltar

À marimba e ao quissange
ao nosso Carnaval
havemos de voltar

À bela pátria angolana
nossa terra, nossa mãe
havemos de voltar

Havemos de voltar
À angola libertada
Angola independente

Cadeia do Aljube, Outubro de 1960

terça-feira, 27 de março de 2012

Agostinho Neto

Campos verdes

Os campos verdes, longas serras, ternos lagos
estendem-se harmoniosos na terra tranquila
onde os olhos adormecem temores vagos
acesos mornamente sob a dura argila,

seca, como outrora minguou a doce esperança
quente, imperecível como sempre o amor
sacrificada, sangrada na lembrança
do esforço bestial do látego opressor.

Em campos verdes, longas serra, ternos lagos
refulgem ígnias chamas, rubros rugem mares
cintilando de ódio, com sorrisos em mil afagos

São as vozes em coro na impaciência
buscando paz, a vida em cansaços seculares
nos lábios soprando uma palavra: independência!

Cadeia do Aljube, Setembro de 1960

segunda-feira, 26 de março de 2012

Florbela Espanca

Dos beijos que me teste não te importas,
Asas paradas de andorinhas mortas...
Folhas de Outono e correria louca...

Mas inda um dia, em mim, ébrio de cor,
Há-de nascer um roseiral em flor,
Ao sol de Primavera doutra boca!

domingo, 25 de março de 2012

Florbela Espanca

Os meus lábios são brancos como lagos...
Os meus braços são leves como afagos.
Vestiu-os o luar de sedas puras...

Sou chama e neve branca e misteriosa...
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu poeta, o beijo que procuras.

quarta-feira, 21 de março de 2012

João José Cochofel

Primavera

Florinha campestre,
estou a interrogar-te
deitado no chão
bem junto a teu lado.

Que dizem os faunos
por entre as abelhas
e os cucos de Junho?

Precisam dizer
ou basta que passem
para haver primavera?

terça-feira, 20 de março de 2012

Celso Cruzeiro

Fala do soldado fuzileiro

Adeus até ao meu regresso
é assim que me despeço
com a orquídea ensanguentada
latejando no meu peito

Deixa correr tuas lágrimas
que eu levo dentro de mim
muitas penas enxugadas
numa flor de açucena

Ai assim me despedi
mas não sei porque menti
se já não trazia pena
nem a flor de açucena

Que ficara embalsamada
num velho museu de botânica
e em seu lugar se postara
uma orquídea ensanguentada
de raiz ultra vulcânica

Não sei porque disse assim
mentira tão descarada
e escondi mesmo de mim
a orquídia ensanguentada...
regressei mas já não vim
regressei mas não cheguei

sexta-feira, 16 de março de 2012

Joaquim Pessoa

As lobas dão-me o leite do teu peito.
As águias a distância dos teus passos.
As rosas o delírio do teu leito.
As corças a ternura dos teus braços.

Bebo um vinho doirado em tua boca
que é feito de jacintos amarelos.
Dos meus olhos voou a ave louca
que dança em redor dos teus cabelos.

Passando pelos cornos do inverno
as tua mãos serenas e suaves
são duas pombas brancas no inferno.

E eu grito nos terraços ou nas caves
o amor quase brutal e quase terno
que dói como um punhal e tu não sabes.

Em Os Olhos de Isa

domingo, 11 de março de 2012

Bocage

Das faixas infantis despido apenas,
Sentia o sacro fogo arder na mente;
Meu tenro coração ainda inocente
Iam ganhando as plácidas camenas

Faces gentis, angélicas, serenas,
De olhos suaves o volver pungente,
Da ideia me extraiam de repente
Mil simples, maviosas cantilenas.

O tempo me soprou fervor divino,
E as musas me fizeram desgraçado
Desgraçado me fez o Deus-Menino.

A Amor quis esquivar-me, e ao dom sagrado
Mas vendo no meu génio o meu destino,
Que havia de fazer? Cedi ao fado.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Inscrições nas paredes das celas de Caxias

Eu vivo sem alegria
Dentro desta prisão
Acabou-se a liberdade
Estou na solidão.

-

Encerrados nesta prisão
Estão dezenas de operários
Que pediam com razão
Aumento dos seus salários.

Estes poemas foram inscritos nas paredes das celas do forte de Caxias em 1917 (já nessa época, o destino de quem lutava era Caxias!), são transcritos por José Pacheco Pereira no seu livro As lutas operárias contra a carestia de vida em Portugal a greve geral de Novembro de 1918. A este propósito diz JPP:
"Antes da greve geral contra a carestia da vida de Novembro de 1918, duas grandes greves profissionais tiveram lugar em Lisboa: a greve dos operários da construção civil e a greve dos trabalhadores telégrafos-postais, a que se seguem greves gerais de solidariedade. Para além destes movimentos, uma violenta revolta popular tinha-se dado em Maio de l917, dirigida contra as mercearias e os armazéns de viveres, a chamada 'revolução da batata'. Em Lisboa vivia-se nos meios operários e sindicais um verdadeiro ambiente revolucionário, que se reflectia nas paredes do forte de Caxias..."

terça-feira, 6 de março de 2012

Mineiros de Aljustrel

Avante trabalhadores
Preparemo-nos para lutar
Que o sol emancipador
Sobre nós começa a raiar

Vem raiando a bela e nova aurora
Nova hora nós havemos de ir chegando
Marchemos pelo mundo sem demora
Nossos direitos vamos conquistando

Esta é uma canção cantada pelos mineiros de Aljustrel, por ocasião do 1º. de Maio, na década de vinte do século passado.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Valentim Adolfo João

Não tenho vagar, amor
Para te dar atenção
Tenho muito que fazer
Na minha Associação

É meu desejo transformar
Esta pobre sociedade
Que semeia a iniquidade
Para nos escravizar.

Temos muito que lutar,
Com força, audácia e valor
Para extinguirmos a dor,
A miséria e o sofrimento.
E por isso, neste momento,
Não tenho vagar, amor.

O Valentim Adolfo João, operário mineiro em S. Domingos, Bx. Alentejo, tornou-se um símbolo para a sua classe, tal era o seu empenhamento na sua Associação de classe e nas lutas que travam. Estávamos então no início do século XX. Militante anarco-sindicalista, pouco tempo lhe sobrava para a vida familiar e afectiva, de tal forma que a sua amada se queixava da pouca atenção que recebia. Certa vez, foi com o poema acima transcrito que se justificou.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Linhares Barbosa

Numa velha habitação
Vi há pouco um grande drama
Que muito me impressionou.
Abraçados à mãezinha
Choram quatro criancinhas
Pelo pai que não voltou.

Foram prendê-lo de noite
Porque assinara um artigo
No jornal revolucionário
Teve chufas o açoite
Quando foi para o seu calvário
Quando foi para o seu castigo.
Riram à sua passagem
O burguês e o mendigo
Ante aquela humilhação
Sentiu-se mais revoltado
E a caminho da prisão
Pareceu-lhe ir entre judeus
Fora preso e algemado
Mesmo ao pé dos filhos seus
N'uma velha habitação

Ao deixar a santa prole
O empolgante escritor
Teve um abismo de sorvos
Nenúfar lançados aos corvos
Que n'um bando grasnador
Parecem cobrir o sol.
Apóst'lo dum novo escol
Chamaram o anarquista
Toda a gente o acusou
Sem ver que ele insuflou
D'um ideal que inflama
Redenção, o mundo bélico
Pois no lar deste famélico
Vi há pouco um grande drama
Que  muito me impressionou.

Eu tinha entrado a saber
Se havia alguma notícia
Do mártir encarcerado
Mas senti-me emudecer
Que ninho tão torturado
P'la vil obra da polícia!
Lá dentro reinava um misto
De miséria e de carícia
-Informou-me uma vizinha:
Que a mulher do que acusavam
Vendo que o esposo não vinha
Matara-se entre loucuras.
As crianças dormitavam
Talvez sonhando venturas,
Abraçadas à mãezinha.

Havia livros caídos
Mudas vítimas talvez
Da busca policial,
Esse sistema brutal
Eivado de hediondez
Que usam para os perseguidos.
Como todos os traídos
O herói foi p'ra o degredo;
E na carta que enviou,
Um beijo a todos mandou,
Nas asas das andorinhas
Que voam de muito além.
Transmitindo o beijo à mãe
Choram quatro criancinhas
Pelo pai que não voltou.

Linhares Barbosa (1893 - 1965), poeta e jornalista, é autor de cerca de três mil poemas de fado. Foi um dos mais empenhados na defesa e dignificação do fado e dos fadistas.
Situado na área do anarco-sindicalismo, deixou reflectida em muitos dos seus poemas essa sua identificação. Fundou em 1922 uma das publicações mais prestigiadas - Guitarra de Portugal - que dirigiu durante muitos anos, deixando nela a marca da sua personalidade. Aí foram publicados muitos dos seus poemas, entre os quais o Fado do Degredado (acima transcrito), relacionado com as fortes lutas operárias dos anos vinte do século passado,  bom exemplo da sensibilidade social de Barbosa.


quinta-feira, 1 de março de 2012

Sete ondas se noivaram
Ao luar das sete praias
Sete punhais se afiaram
Menina das sete saias

Sete estrelas se apagaram
Sete-que-pena choraias
Sete segredos contaram
Menina das sete saias

Sete bocas se calaram
Com sete beijos beijai-as
Sete mortes evitaram
Menina das sete saias

Sete bruxas se encontraram
No monte das sete olaias
Sete vassouras montaram
Menina das sete saias

Sete faunos contrataram
Sete cornos e zagaias
Aos sete encomendaram
Menina das sete saias

Sete princesas toparam
Com mais sete lindas aias
Por sete e sete deixaram
Menina das sete saias

Sete danças que bailaram
Sete vezes que desmaias
Sete luas te ansiaram
Menina das sete saias

Sete vezes se encantaram
No bosque das sete faias
Sete sonhos desfolharam
Menina das sete saias 

Francisco Viana, recentemente desaparecido ( aos 92 anos) é o autor deste poema, cantado pelos Trovante. Assinale-se que Viana foi letrista de inúmeras canções dos Trovante, nomeadamente no início da sua existência. Aqui presto homenagem a Francisco Viana.