domingo, 30 de janeiro de 2011

Lenine Sobreiro

Emigrante, meu irmão

Emigrante, meu irmão
eu trago no coração
o nosso país inteiro
trago a brisa, trago o mar
trago a saudade a cantar
baixinho dentro do peito

Trago poetas, escultores
músicos, operários, cantores
trago o presente, o passado
trago a força que me vem
da natureza a terra mãe
à qual vivo agarrado...

Trago o sol de Portugal
e o nosso torrão natal
envolto nesta mensagem
trago, enfim, a melodia
e a eterna poesia
que me dá força e coragem

sábado, 29 de janeiro de 2011

Aldrabas e batentes

Lenine Sobreiro

Sou assim e assim serei

Apesar de humilhado
apesar de ofendido
não me sinto derrotado
e muito menos vencido

A força da minha força
dá-me força e razão
por isso ninguém me força
a dizer sim, a dizer não

Embora condicionado
a certas forças brutais
eu sou como um condenado
que resisto e nada mais

Por tudo o que fica dito
resisto e resistirei
não me curvo nem abdico
sou assim e assim serei

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Lenine Sobreiro

O Poeta é  universal

O poeta não tem barreiras
por isso é universal
a cor das suas bandeiras
é portanto natural

Que ninguém diga ao poeta
o que ele deve escrever
faz figura de pateta
talvez mesmo sem saber

O poeta não pode ser
carcereiro de si mesmo
por isso deve escrever
versos soltos e a esmo

E depois soltar ao vento
os poemas que escreveu
com a coragem e com talento
que a natureza lhe deu

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Lenine Sobreiro

A Palavra Camarada

A palavra camarada
tem tanta profundidade
que eu não entendo por nada
que haja gente que não goste
da palavra camarada

Camarada é ter na mão
um pão para repartir
é ter força e ter razão
para nunca desistir

Camarada é defender
os pobres, os deserdados
é lutar sem se render
em prol dos explorados

Camarada é estar aqui
ao vivo sem vacilar
e depois sair daqui
com força para lutar

Camarada é acreditar
que a vida só tem sentido
quando a miséria acabar
e o pão for bem repartido

Aldrabas e batentes

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Lenine Sobreiro

Nasce assim a poesia

Verso branco ou rimado
o que é preciso é escrever
aquilo que a gente sente
e que gosta de dizer

Eu sinto tanto prazer
e sinto tanta alegria
quando rimo sem querer
quando escrevo poesia

O verso branco aparece
duma forma tão normal
tal como desaparece
o que é muito natural

Nasce assim a poesia
livre como o próprio vento
formando uma sinfonia
que canta a todo o momento.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Lucília do Carmo: uma diva, nem sempre recordada como merece!

Recordo aqui a D. Lulícia do Carmo, uma das mais belas vozes do fado, de todos os tempos. É sublime a forma como pronúncia cada palavra!

Lenine Sobreiro

Ser cego

Os cegos não são aqueles
que por sua infelicidade
não vêem a claridade
nem tampouco a sombra deles

Cegos são os que não querem
encarar a realidade
e usam a falsidade
para, enfim, se esconderem

Cegos são os que não sentem
a injustiça social
em vez do bem, fazem mal
não falam verdade, mentem

Depois do que fica dito
não há mais nada a dizer
embora seja esquisito
cegos: "são os que não querem ver"

Lenine Sobreiro nasceu em 1934 na freguesia de Palhais, concelho do Barreiro. Cedo, aderiu à luta antifascista, tendo mesmo sido preso político. Para além de poeta, é também declamador, tendo percorrido o país, um pouco por todo o lado, divulgando a poesia.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Lenine Sobreiro

Deixem-me ser criança

Não me matem à nascença
deixem-me rir e cantar
deixem-me ser criança
deixem-me afinal, brincar

Deixem-me ver o sol, o mar
sentir frio, sentir calor
deixem-me dormir, sonhar
viver a vida com amor

Deixem-me olhar a lua
as estrelas a cintilar
deixem-me andar na rua
deixem-me aprender a amar

Deixem-me colher rosas
flores lindas do jardim
tão bonitas, tão viçosas
deixem-me crescer, enfim...

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

João Vaz Penetra

A Caça em Cabeção

Havia boas caçadas
Coelhos, lebres, perdizes
Rolas, pombos, codornizes
Mas foi em eras passadas.
"Espingardas" com provas dadas
Famosos atiradores
Caça à farta sem favores
Os coelhos quase "de graça"
Nesses tempos em que a caça
Era mais que os caçadores.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

João Vaz Penetra

Apelidos e Alcunhas (continuação)

Um Martins que foi pedreiro
O que havia d'arranjar
Deu-me a filha p'ra casar
E eu deixei de ser solteiro
Tinha um café no Ribeiro
Fomos amigos correctos
Debaixo dos mesmos tectos
Não se metia em sarilhos
Era o avô dos meus filhos
E o bisavô dos meus netos.

Terra de trabalhadores
Nas diversas profissões
Empregados e patrões
Dos serventes aos doutores
A todos presto louvores
Com o devido respeito
Mesmo sem força nem jeito
Quero abraçá-los a todos
Que tenham saúde a "rodos"
Por tudo o que têm feito.

Senhora da Madre-Deus
Peço-te um grande favor
Pede a Deus Nosso Senhor
Por estes amigos meus
E um Cordeiro que fala em Deus
Merece consideração
O Padre de Cabeção
Qu'encomenda os nossos mortos
Casa uns baptiza outros
Tem uma bela missão.

Peço p'ra ser desculpado
Se algum de vós ofendi
Com aquilo que escrevi
Não foi mal intencionado
Assim fica registado
Desta forma deslavada
P'ra que possa ser lembrada
E eu não tenho receios
Os nomes podem ser feios
Mas é tudo gente honrada.

Já corri a vila inteira
Andei "à cata" de gente
Com algum nome diferente
Lá na minha parenteira
E assim desta maneira
Não sei se fiz bem ou mal
Mas o meu espanto foi tal
Com os nomes que aqui estão
Eu cheguei à conclusão
Que acabei c'o pessoal.

Quero chamar a atenção
De quem estes versos ler
Eu limitei-me a escrever
E não fiz pontuação
Eu deixo à consideração
De todo e qualquer leitor
Poeta ou declamador
Que os diga como quiser
A forma como os disser
Não ofende o seu autor.

Fim!

Esta longa composição poética, em décimas, constitui uma crónica dos nomes, apelidos e alcunhas das gentes de Cabeção. Nela perpassa a ternura do autor pelas pessoas suas conterrâneas. Quantas destas alcunhas terão passado a apelido dos descendentes do alcunhado? Quantos destes apelidos terão resultado de uma graçola ocasional? O Alentejo é fértil nesta tradição - raramente numa aldeia escapará alguém a uma ou mais alcunhas. E, se recuarmos no tempo, era facílimo a alcunha passar a apelido "oficial", isto é, no Registo Civil, na Cédula Pessoal, no Bilhete de Identidade!
E que dizer das alcunhas "ofensivas", aquelas só usadas "nas costas" da pessoa alcunhada... Cito aqui um caso que conheci, de uma mulher que foi "baptizada" de Perna Cagada, a quem eu quando criança tratei dessa forma, acrescentando prima - Prima Perna Cagada! Claro que a resposta foi uma valente bofetada. Já que referi a minha experiência de infância, faço ainda uma confidência: No meu agregado familiar, na grande cidade, portanto, a dada altura, como não conhecíamos os nomes de alguns vizinhos, para, por algum motivo as nomearmos (só entre nós), resolvemos usar alcunhas: a Plástica, uma senhora que constantemente sacudia uma tolha de plástico; a Janeleira, senhora que passava horas seguidas à janela;  o Neco, porque era super-parecido com um personagem de telenovela muito popular na altura.
A propósito deste poema, pela sua importância, faço referência a uma obra muito interessante, o Tratado das Alcunhas Alentejanas, de Francisco Martins Ramos e Carlos Alberto da Silva, que constitui um inestimável contributo para o conhecimento deste tema. E também a História da Vida Privada em Portugal, obra em 4 volumes dirigida pelo Professor José Matoso, editada pelo Círculo de Leitores, que no primeiro volume trata com rigor a questão da atribuição do nome, apelidos e alcunhas, desde tempos remotos aos nossos dias, e como foi a evolução nas famílias, nas regiões, nos vários grupos sociais.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

João Vaz Penetra

Alcunhas e Apelidos (continuação)

Os Abrantes aqui estão
Um deles é cavaleiro
E o ti J'aquim Cabreiro
Vivia no Maranhão
Do velho João Rabadão
Muita história se dizia
E um certo doutor havia
Que belos conselhos dava
Quando alguém o consultava
Lá na horta d'Aravia.

António dos Porcos era
Negociante de gado
Muitos porcos do montado
Aquela "alma" vendera
Fosse inverno ou primavera
Sempre na burra castiça
Aqui lhe presto justiça
A vida também tem trocos
Morreu o António dos porcos
Mas temos cá o Linguiça.

Com saudades vou sorrindo
Ao recordar tanta gente
Figuras d'antigamente
E outras que vão surgindo
Tivemos o Zé Relindo
Qu'era um grande mariola
Temos cá o João Tàjola
E o nosso amigo Bebéla
"Levou poucas" do Varela
Nos nossos tempos de escola.

Galizas, Bilros, Palhais
Papa-Ratos, Peia-Cucos
Não é terra de malucos
Nem são homens anormais
Aos outros eram iguais
Desde que eram Rapazinhos
Pirralhas e Tatarinhos
Carumbas, Repas e Piscos
Lamarosas e Roviscos
E o Chico dos Pàzinhos.

Tivemos o Bernardino
Cabeleireiro de animais
O Arromba e o Zé Pais
O Manel Alexandrino
O Velez e o Cat'rino
Nomes que hão-de ser lembrados
Mas um dos mais afamados
Luís Borreicho Godinho
Não podia ver o vinho
Bebia d'olhos fechados.

Havia um homem de bem
Por todos considerado
Há muito já foi chamado
O Luís Guarda que Deus tem
E o nosso Tita também
Deixou viúva a Jacinta
Por mais tristeza que eu sinta
Ainda sinto emoção
Pela morte do Bailão
Filho da Jaquina Pinta.

(continua proximamente...)

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Jão Vaz Penetra

Alcunhas e Apelidos (continuação)

Também temos Oliveiras
Mas nunca dão azeitona
Houve a Bernarda Carona
As Valerias e Caeiras
Nunes, Marques e Nogueiras
Um "Primeiro Cabo" sem farda
Maltesa e Felizarda
O "Pelicorpe" e o Prudêncio
São do tempo do "Gàdêncio"
E da Rosa do Zé Guarda.

Temos a Chica "Lidora"
A Rubia e a "Marçalina"
Havia a Rosa Rufina
A Vitala e a Pintora
Mas ouçam lá esta agora
Tenho impressão que não erro
Não há ovelha sem berro
Mas há Condes sem Condeças
Havia o Zé das Cabeças
E o Cabecinha de Ferro.

Afonsos, Freires e Faustinos
Não me esqueci das Emílias
Havia grandes famílias
Que seguiram seus destinos
Ofícios "grossos" e "finos"
Há doutores e engenheiros
Misturados com pedreiros
E gente com outros dotes
Havia o "Talha-Capotes"
E há Bichos carpinteiros.

Conheci muito velhinho
Não me perguntem a data
Havia a Rosa Regata
E mestre Zé Ramalhinho
Que era alfaiate e baixinho
E a ti J'aquina Ramalha
Se a memória não me falha
Estava cá a Carvalhinha
A Jóia e o Boguinha
E o Chico da Carvalha.

Houve a ti Ana Pezera
Qu'inda morou na Barroca
Na vila estava o Batoca
O Roque na Asseiceira
João Correia na Pedreira
Foi pr'ó Montijo o Magala
E um caso qu'inda se fala
Duas aves tão diferentes
Casaram sem ser parentes
O Rola com a Pardala.

Rodrigues e Araujos
Andrés e Florentinas
Caracolas e Cesaltinas
Também tivemos marujos
Por falar nos "ditos-cujos"
Nasceu cá um marinheiro
Que estudava o ano inteiro
Rachava  lenha nas férias
Também tinha as suas lerias
O João da Rosa... engenheiro.

(Continua proximamente...)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

João Vaz Penetra

Alcunhas e Apelidos (continuação)

Borda d'Águas, Cab'delas
E Reguengos e Maurícios
Cada um nos seus ofícios
Vidas simples e singelas
Mas eram rudes e belas
E dessas eu não me queixo
Outros nomes aqui deixo
Como seja o Lagreminhas
E o Chico Palolêcho.

Há um Santo sem altar
Nesta terra de virtude
Deus me dê muita saúde
Para os poder recordar
E agora estou-me a lembrar
Do Cheira e do Pendurado
Do Brito e do Encarnado
Inda me falta o Saldanha
A ti Teresa Tanganha
E o Chico Remelgado.

Houve Príncipe e Rainha
E também a Zefa Rita
A Libania e a Canita
A ti Ana Pedreirinha
A Vivência e a Pancinha
A Palmira e a Ganhôa
A Bernarda e a Letôa
Tivemos a ti Eulália
A Irene e a Cidália
Foram morar p'ra Lisboa.

Cabeção é um jardim
Onde as mulheres são as flores
As novas são uns amores
As velhas assim... assim
Isto nunca mais tem fim
Por todo o lado há Marias
As mães, as filhas, as tias
Há cá muitas Mari' Rosas
Bonitas e carunchosas
E também Rosas Marias.

Um Lourenço taberneiro
Anastácios e Correias
Andou por muitas aldeias
O Henriques Pinceleiro
Houve o Zé Maria Oleiro
O Lourinho e o Badalo
Nem só dos velhos eu falo
Temos cá o Zé da Quinta
A "Polónia" e a Jacinta
Mas não temos o Gonçalo.

A Rata e a Ratinha
A Péxôta e a Cagoila
E também o Zé Migoila
A Bia e a Anazinha
Todos os anos cá vinha
O Domingos Lagareiro
Desde Novembro a Fevereiro
Vinha cá fazer azeite
Rosa Vaz vendia leite
Mâncio Bàdio cozinheiro.

(continua proximamente...)

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

sábado, 8 de janeiro de 2011

João Vaz Penetra

Alcunhas e Apelidos

Aqui nestas linhas vão
Alcunhas e apelidos
Dos vivos e falecidos
Da vila de Cabeção
Com toda a consideração
E respeito que merecem
Porque há nomes que não esquecem
E que devem ser lembrados
Vê-los aqui misturados
Até iguais nos parecem.

Rolas, Milheiras, Pardais
Cotovias, Gaviões
Há cá muitas gerações
Com os nomes de animais
São os filhos e os pais
Com estes nomes herdados
Passarinhos assustados
Com os Ratos e Ratões
Há Borregos e Leitões
Brancos, Ruivos e Rosados.

Courinhas, Litros Calados
Alfaces, Favas, Feijões
Também há muitos Bailões
E Canelas Doutorados
Há Chitas em vários lados
Carreiras por toda a parte
Também há muito Duarte
E ainda alguns Conichos
Carpelhos, Sapos e Bichos
Não se vê em qualquer parte.

Calixtos, Pinas Malhões
Pintos e Arrepiados
Nomes que hão-de ser lembrados
Como são os Barranhões
Condes, Bécos e Ganhões
Aleixos e Carrachichas
Alfuredas e Conichas
Motas, Pessoas e Prudêncios
Há Gaitas e Florêncios
Lagartos e Lagartixas.

Já cá houve um Cagarrana
Que Deus o tenha em descanso
Até o padre era Manso
Também cá temos Choupana
Houve o meu primo Cagana
Ramalhos, Ramos, Raminhos
Bainetas, Crocas, Mansinhos
Manaias, Cunhas, Catrouchos
Galegos, Miras e Mochos
Há Penetras e Rainhos.

Borreichos e Cravidões
Ainda temos bastantes
Muito menos do que dantes
Vão morrendo as gerações
O frio não escolhe estações
Há Geadas todo o ano
Bazinas e Bebiano
Há Velhotes e Tájolas
E Rufinos e Carolas,
Também há se não me engano

Ainda temos Pinguinhas
Nesta terra de bons vinhos
Vinagres e Moleirinhos
Fizeram boas farinhas
Torrados e Torradinhas
Com "torrão" de maravilhas
Que vem de mães e de filhas
Ou dos pais ou dos avós
Ainda há Canós
Calhaus, Cristetas, Guerrilhas.

Nesta vila de mistérios
Onde também há Dòbigos
Também há um Espeta-figos
Que é da raça dos Valérios
Muitos estão nos cemitérios
Ou aqui ou noutras partes
Serranos e Alfaiates
Há Rabichos e Cachuchos
Sem ter quartel há Galuchos
Carronhas, Pilas e Prates.

Mosteias, Russos, Silvérios
Também há muito Batata
E um Cabeça-de-Pata
Que é um dos casos mais sérios
Cortiços, Veredas, Quitérios
Arraiéis e Machadinhas
Leandros e Cabecinhas
Vitorinos e Guerreiros
Bàrrões, Teles e Salgueiros
Cabaços Pires e Faquinhas.

O Patála e o Furão
O Manelim, o Meijinhas
Cartaxos e Pázadinhas
Laradas, Melros, Carão
Um cantor que era Falcão
Pelintras, Canas e Putos
Eram espertos e astutos
Tinham boa condição
Em qualquer ocasião
Não eram fracos nem brutos.

Dordio, Matola, Clemente
Morreu o Manel da Vinha
E o Chico da Hortinha
O Cumpeixe e o Vicente
Um Feliz e um Dormente
Também há o Gasparinho
E houve muito Godinho
Mas só um é que era rico
Já me esquecia do Chico
E d'Amélia do Montinho.

Já cá tivemos os Louras
Artistas da concertina
A Pombala e a Balbina
Senhorinhas e Senhoras
O Margarido e os Estouras
Batata-Doce e Silveira
Manel Zé-Quinta-Feira
Também houve a Mari'Estina
A Pomba e a Carolina$
Que casou c'o Cafeteira.

Em tempos houve Charrelas
Qu'inda eram meus parentes
Já morreu o Simão Dentes
Mas há Dimas e Varelas
E até havia Grandelas
O Varandas e o Rosil
Camioneta e Parrachil
O Tarefa e Mâncio Brás
Nos meus tempos de rapaz
o J'aquim de Montargil.

Também temos cá os Genes
Um deles até é Tinto
Um Curto que era Jacinto
E Barbosas e Estevens
E estamos de Parabéns
Por ter tido um Papa-Vinho
Que não bebia sozinho
E foi p'ra outra cidade
Esperança e Felicidade
Também há neste cantinho.

É uma terra importante
Graças a Deus Nazareno
Tem um Grande e um Pequeno
Um Anão e um Gigante
S'isto não fosse bastante
Ainda há muito Coelho
Como não hei-de estar velho
Já lá está o Luís Mâncio
O Pôpa e o Bundâncio
O Latas e o Traguelho.

Badôfos, Lérias e Rentes
Farungas, Bogas, Casmarras
Terra de coisas tão raras
Com estes nomes diferentes
E quase todos são parentes
Mistura-se a geração
Aqui deixo a gratidão
Ao herói que era Mouquinho
E ao mestre João Godinho
Um poeta de eleição.

Há Gatos por todo o lado
Catapirras, Tabaréus
Chinelos e Calhabéus
Com Guitarras sem ter fado
Como o mundo está mudado
A coisa vai a estar preta
É verdade, não é trêta
Digo com muita emoção
Muitos nomes que aqui estão
Estão na Quinta do Larreta.

Do Renato e do Justino
Não há ninguém que se queixe
Do Barriguinha de Peixe
E mesmo do Laurentino
Quando eu era pequenino
Conheci a tia Inácia
A Berta e a Bonifácia
A Sapa e a Matelinhas
Havia o rei das mézinhas
O António João da Farmácia.

Se do trigo se faz pão
E do frio se faz neve
O Bigode do Pé-Leve
Dava m'essa sensação
Dignos de admiração
E dentro do mesmo tema
Vejam lá este dilema
O nosso amigo Teodoro
Ainda foi ao sonoro
C'o António do Cinema.

Houve o Zé Pedro da Estina
E o Chico da Cardosa
E o António da Rosa
Que era o pai da Sabina
Morava cá a Regina
O Balricha e o Rolheiro
E houve um que era barbeiro
Foi o meu primo Zé Vaz
Não posso deixar p'ra trás
O Hildebrando Caeiro.

Terra de muitos moinhos
Um moleiro que era Tostão
Havia o Chico Alpalhão
O Tábêra e o Dorinhos
O Troca e os Morgadinhos
E o Domingos Albardeiro
Também cá esteve o Rasteiro
Que não era má pessoa
E a Mari' de Lisboa
Que morava no Ribeiro.

A Ana Velha dos bolos
Umbelino e Ferrador
E também o Zé Leonor
Homens que não eram tolos
O Caçurra e os Carôlos
O Canhoto e o Zarôlho
O Magala e o Piolho
E houve um que já morreu
Bastante vinho bebeu
O Zé Maria Má-Olho.

O Manel Arrependido
O Potrinha e o Barrula
Também houve o Zé da Mula
Já há muito falecido
Assim não é conhecido
Nem tampouco os Farrajolas
São cordas d'outras violas
Que n'outros tempos havia
Como a Mari'de Pavia
E o Arranca Cacholas.

Há Cardosas e Cardoso
Bernardas e Alziras
Qualquer um "prega" mentiras
Mas há só um Mentiroso
Terra de muito manhoso
Mas não fazem desacatos
Tudo gente de bons tratos
Já lá vai o Possidónio
E o nosso Manel António
Qu'era Borreicho e era Matos.

conheci o Arranhado
Um maltês d'antigamente
Assustava toda a gente
Quando estava embriagado
Também deve ser lembrado
O Banha e o Carapeta
O Corisco e o Zé Baineta
E uma coisa fantástica
Temos a Mari'Escolástica
Qu'era filha do Marreta.
Inda guardo na memória
Como era a Mari'Flor
E não é nenhum favor
Meter aqui nesta história
O Manel da "Zedória"
E o meu primo Simão Mocho
Já lá vai o Zé Rabocho
E também há muitos anos
Havia cá dois Caetanos
Era um rico e um coxo.

Eufrásias e Carlotas
Rosárias e Albertinas
Luzias e Ludovinas
E houve a ti Mari'Botas
Inda se vêem as Motas
Com estas ninguém se zanga
E já deu a "trangamanga"
A um Mota amigo meu
E o mesmo aconteceu
À ti J'aquina Fandanga.

Havia o ti Simãozinho
O Ganhapo e o Gabriel
O meu tio Ezequiel
E um guarda que era Pretinho
Já seguiram o seu caminho
Mas temos cá o Pernica
O Claro e o Manica
Os Farrobas e Carrilhos
Vão-se os pais ficam os filhos
C'o tempo ninguém cá fica.

Houve tendeiros e ciganos
E também Anacletos
Lã-Brancas e Anicetos
Hoje temos os Paranos
E morreu há muitos anos
O velho Carpinteirinho
E a ti Mari'do Moinho
Os anos não sei ao certo
Nasceu cá o Felisberto
Qu'era um belo "rapazinho".

Não há mina e há Mineiro
Mas há Rochas nesta terra
Houve o Maurício da Guerra
Que deu o nome ao Terreiro
E um Almeida Sapateiro
E o Zé d'Ameixeira
Lopes, Barata e Vieira
Isto era gente mais fina
E o Simão da Umbelina
Morava ao pé do Teixeira.

Veio p'ra cá o Nassamonte
Que noutra banda morava
E a velha Luzia Brava
Também morava no monte
E quem vivia de fronte
do Firmino era o Gadanha
Havia gente com manha
Mas não era o ti Libório
Nem o Moreira nem o Inório
Nem nenhuma das Malarranha.

A Galinha tem Moela
A uva tem o engaço
Nós temos o Estardalhaço
O Bule e o Brezundela
O Aurélio e o Gabriela
O Bem-Haja e o Monteiro
Matias que era Padeiro
Era o pai da Guilhermina
Há Rosas e Rosalina
O Dádaia e o Caseiro.
Esta história custa a crer
A d'um homem certo dia
Como não se decidia
Que nome havia de ser
"prantou-lhe" "Zé-Até-Ver"
E como isto não é pouco
Também cá houve o Batouco
Casado com a Godinha
E às vezes também cá vinha
Um de Mora qu'era Mouco.

(continua proximamente...)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

João Vaz Penetra

Este Meu Livro

Pobre livro humilde e rude
Pedaço de quem escreveu
Fraco poeta sou eu
Mas fiz tudo quanto pude
Que Deus lhe ponha a virtude
Que o meu poder não é tanto
Não sou profeta nem sento
Mas já usei um "processo"
P'ró meu livro ter sucesso
Já o benzi de "quebranto"

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

João Vaz Penetra

Que esta obra seja herança
P'ra quem vem depois de nós
Recordar nossos avós
É uma sagrada lembrança
Neste mundo de mudança
Como bons alentejanos
Não esqueçam os seres humanos
São os votos d'um "rapaz"
Que nasceu no volta  "atrás"
Há setenta e tantos anos.

Coisas de Cabeção e do Concelho de Mora, edição da Câmara Municipal de Mora, reúne trabalhos de João Vaz Penetra, poeta e desenhista. Natural de Cabeção, nasceu em 1930 tendo sido  na vida activa, bancário e gestor de empresas, e tem na poesia o seu principal hobbie.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

João Vaz Penetra

Homenagem a meus pais

Nasci pobre e "empenhado"
Com os meus progenitores
Vim logo a dever favores
P'la vida me terem dado
Com carinho fui criado
Quando vi a luz do dia
Por encanto ou por magia
Sendo pobre fiquei rico
Por ter um pai que era Chico
E a "nha" mãe que era Maria

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sr. Raimundo, de Ervidel

Eu nasci há muitos anos
Neste Alentejo dourado
Guardo más recordações
Da forma como fui tratado.

Fui para o campo trabalhar
Ainda muito novinho
Tinha que estar caladinho
Sem poder reclamar
Eu tinha que aguentar
Os tratamentos tiranos
Assim que começo os planos
A preparar o futuro
Era um tempo muito duro
Eu nasci há muitos anos.

Nas terras de produção
Onde eu fui castigado
De certa forma explorado
Por vezes sem comer pão
Talvez por essa razão
Eu me tenha preparado
Sem para tal ter estudado
A lição para aprender
Eu aprendi a viver
Neste Alentejo dourado.

Foi assim que fui crescendo
É a pura da verdade
E com tanta crueldade
Mas com tudo ia vivendo
Por vezes até temendo
Mais aos lacaios que aos patrões
Que pareciam tubarões
Que jamais irei esquecer
Por me fazerem sofrer
Guardo más recordações.

Depois de uma certa idade
As coisas foram mudando
Foi assim que fui ganhando
Talvez mais capacidade
Com muita tenacidade
Sem esquecer o passado
Eu andava agoniado
Sem poder desabafar
Tenho muito que recordar
Da forma que fui tratado.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Sr. Raimundo, de Ervidel

Sou obrigado a cagar
À força sem ser cagão
Cago para quem governa
Sem rigor esta nação.

Sou um simples reformado
Ganho duzentos e poucos euros
E mal dá para os temperos
Por isso estou revoltado.

E não me dou controlado
Enquanto isto não mudar
Se assim continuar
Eu não tenho solução
E assim nesta condição
Sou obrigado a cagar.

Como posso estar contente
Com tanta desigualdade
Onde não há dignidade
Em certo tipo de gente
Tristes leis sem direcção
Daí a minha razão
De falar com frontalidade
E cagar em quantidade
à força, sem ser cagão.

Não quero ser indelicado
Com as minhas poesias
Mas hoje é um destes dias
Que não me dou controlado
Sabendo que estou cagado
Com a minha vida interna
Por isso me vejo à perna
Sempre antes do fim do mês
Sendo tão bem português
Cago para quem governa.

Tenho de me ir orientando
Com uma miséria de aumento
Mas com este sofrimento
Só me sinto bem cagando
Para o "posso quero e mando"
Vai toda esta porção
É a minha obrigação
Esta encomenda enviar
Para quem anda a governar
Sem rigor
Esta nação.






O Senhor Raimundo nasceu em Ervidel, em 1932. Foi assalariado agrícola, caboqueiro e comerciante