domingo, 26 de setembro de 2010

José Virgínia

"Vou dizer uma quadra que fiz dedicada à terra que não dá pão. Via tudo cerrado em mato por aí; os lavradores desprezaram os "montes" para irem para as cidades, venderam as parelhas e hoje está tudo caído e não habita lá ninguém. E então pensei fazer uma quadra a este assunto."

Mote

A terra já não dá pão
porque falta ser cultivada
está tudo cerrado em mato
e só se cria é bicharada

                I

Acham muito para pagar
ao pobre trabalhador
não sabem dar o valor
a quem anda no chão a cavar
não ganha para se tratar
anda roto vive em pelão
não coalha um tostão
passa a vida na miséria
e filho da mesma matéria
a terra já não dá pão

               II

O autor da natureza
eu não posso apoiar
porque nunca quis deixar
uns pedaços para a pobreza
uns terem tanta riqueza
e o pobre viver sem nada
trabalhando de empreitada
para dar produto ao país
e cada vez vemos mais crise
falta a terra cultivada

                III

Umas sopas de cebola
antes da manhã romper
tinha o pobre que comer
para abalar para a lavoura
uma rosa é uma papoila
o almocreve é exacto
deixa o caroço no prato
para não o deitar para a rua
e a miséria continua
está tudo cerrado em mato

São buldozers e tractor
fazem estradas sementeiras
mas choram pelas parelhas
estão a sofrer esta dor
o monte não tem valor
tem uma casa destelhada
e uma parede derrubada
não habita lá ninguém
e encontra-se mais de cem
só se cria é bicharada

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Ceifeiros de Cuba

Eu sou devedor à terra
A terra me está devendo
A terra paga-me em vida
Eu pago à terra em morrendo
(...)
Alentejo, Alentejo
Terra sagrada do pão
Eu hei-de ir ao Alentejo
Mesmo que seja no Verão

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

José Virgínia

Uma Linda Quadra

Dedicada aos imigrantes

Mote

Ó país desabitado
Por uma doce ilusão
Uns p'ra qui outros p'ra lém
Já muitos poucos cá estão

Eu vejo tudo abalar
seja novo ou seja velho
vão procurar o mistério
porque podem trabalhar
seis contos não posso dar
para não ficar endividado
não quero pedir emprestado
para não ficar a dever
e por isso estou a sofrer
ó país desabitado

Eu pensei em abalar
tinha falta de lá ir
mas queria-me prevenir
para mim algum cá deixar
tenho as taxas a pagar
todas juntas num moitão
a carteira sem tostão
porque nasci pobrezinho
e à quem se meta ao caminho
por uma doce ilusão

Há muitos que para lá vão
que não deviam abalar
vão a vida estragar
têm cá dinheiro e pão
chegou à conclusão
portugueses mais de cem
isto é tudo um vai vem
só vão gozar e gastar
e todos querem experimentar
uns p'ra qui outros p'ra lem

Vejo tantas terras compradas
os prédios em construção
não ganhavam para o sabão
vivia-se em arramadas
hoje têm casas preparadas
~quem tenha bom coração
voltam sempre à geração
para cumprir o seu dever
e todo aquele que souber ler
já muito poucos cá estão

Este poema foi copiado do livro "Poetas Populares Alentejanos" de Modesto Navarro. É no livro apresentado como exemplo de décima editada em folheto pelo autor, sendo cada folheto vendido ao preço de 1$00. E, como era costume, vendido nas feiras e porta a porta.
Deduz-se, pelo tema, que terá sido escrito na década de sessenta do século XX. Quando o autor escreveu imigrantes, referia-se a Emigrantes.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

"Cantam as filhas da Rosa"

A flor da piteira

De autor anónimo, do Concelho de Arraiolos

Décimas dedicadas às gentes de Vale do Pereiro

Com sentido verdadeiro
Esta festa neste dia
Aqui no nosso Vale do Pereiro
Este convívio com alegria

O cantinho onde nascemos
No vale ou numa serra
O nome da nossa terra
Nunca o esquecemos
Com orgulho a defendemos
No país e no estrangeiro
Seja doutor os engenheiro
Somos todos irmãos
E juntos damos as mãos
Com sentido verdadeiro

Um louvor quero dar
A quem lançou esta iniciativa
Uma acção criativa
Que devemos ajudar
Estamos a trabalhar
Com honestidade e harmonia
A todos eu pedia
Compreensão e amizade
Para que seja uma realidade
Esta festa neste dia

Esta comissão aqui apela
À entidade competente
Que ajude a ir em frente
A construção da capela
Outro pedido se revela
Do qual sou mensageiro
Decerto não sou o primeiro
Que vejo com necessidade
O centro para a terceira idade
Aqui no nosso Valo do Pereiro

Louvamos a S. Sebastião
E também a Santa Justa
Creio que a ninguém custa
Fazer uma pequena oração
Pedimos paz e protecção
Para a nossa freguesia
Com amor e simpatia
Fazemos dela um espelho
E que fique marcado no concelho
Este convívio com alegria

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A flor da piteira

De autor anónimo, do Concelho de Arraiolos

Ao escrever estas linhas
Só chora o meu coração
Porque as palavras são minhas
Só as letras o não são.

Nove de Abril, meu amor
Triste dia em que ditei
A carta que te mandei
Minha adorada flor
São fracos da minha dor
Fatalidades daninhas
Não pensas nem adivinhas
Quanto sinto, ó minha querida
Estou entre a morte e a vida
Ao escrever estas linhas.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Mais figos de pita

Manuel Vagarinho

Já podemos descansar
Com as armas oleadas
Agora vamos contar
Como foram as caçadas

Domingo 9 de Janeiro
Setenta com farnel
Apenas um tiro certeiro
E só trouxemos uma pele

O Tio Agostinho coitado
Viu-se numa aflição
Com um batedor afogado
Lá no ribeiro do Trancão

Nota: finalizo aqui a publicação de poemas de autoria do Sr. Vagarinho. Eventualmente, noutra ocasião, voltarei a divulgar a sua obra. E porque todos os poemas deste autor, aqui publicados, são dedicados à caça, quero deixar bem claro que, na parte que me toca, sou incapaz de matar uma formiga!

sábado, 18 de setembro de 2010

Figos de Pita

Manuel Vagarinho

O Sr Paulino de Carvalho
Cheio de orgulho, não quer ser réu
Dá-lhe sempre muito trabalho
A pôr raminhos no chapéu

O Ernesto de Alcácer do Sal
Para apontar tem bom gosto
Não fez aquilo por mal
Mas errou, foi mal disposto

O Sr Amaro da Zambujeira
É um homem muito certeiro
Espanta os bichos com a cegueira
De fazer versos o dia

O Tio Custódio Ferreira
Sei que também faz das suas
Um dia fez asneira
Deixou abalar só... duas

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Manuel Vagarinho

O Manuel Vagarinho, como ficou claro no seu primeiro poema aqui publicado, é natural de S. Cristóvão, concelho de Montemor-O-Novo. O amor à sua terra é cantado por si desalmadamente, traço que é comum à generalidade dos poetas populares - aí estão os sítios das suas primeiras memórias, tudo é o mais bonito, a água é a mais fresca, etc.
M. Vagarinho nasceu em 1938. O trabalho do campo foi o seu primeiro, que se prolongou até à idade do serviço militar. Depois foi ferroviário até à idade da reforma.
Cantador de desgarradas. Poeta. Caçador. E a caça é o seu motivo principal de inspiração: Caçadores da nossa terra/Que não quebram tradição/Do que se mata e se erra/Vem hoje a recordação.
Recordações de Três Décadas de Caçadas às Raposas, É uma edição de autor que reúne os poemas de sua autoria dedicados à caça, escritos entre 1976 e 2007.

Logo à primeira batida
Foi barrigada de rir
Houve uma arma partida
Para apanhar uma a fugir

Já ia ferida de dois
Era bicha muito fina
Viemos a a saber depois
Que cheirava a gasolina

No vale grande da pescainha
Vi um homem cair no laço
Errou uma assim escurinha
Por lhe parecer um sargaço

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Manuel Custódio Teles Vagarinho

Mote

S. Cristóvão meu amor
Sempre no meu coração
Não conheço outro valor
Nesta pequena Nação

I

A tua igreja centenária
O lindo som do teu sino
Amo desde pequenino
A tua escola primária
Nunca esqueço a secretária
A cadeira do professor
O mapa com sua cor
Deste nosso Portugal
Como tu não há igual
S.Cristóvão meu amor

II

O lindo largo à entrada
É a sala de visitas
Tens tantas coisas bonitas
Ó minha terra adorada
Sempre limpa e asseada
Tudo para mim é paixão
Mostras assim a razão
Porque eu te adoro tanto
És terra do meu encanto
Sempre no meu coração

III

A sede da sociedade
O palco de actuações
São boas recordações
Dos tempos da mocidade
Ser teu filho tenho vaidade
É lindo seja o que for
Tudo feito com rigor
Com paz e boa harmonia
Sinto em mim grande alegria
Não conheço outro valor

IV

A tua ponte velhinha
Onde as aves fazem ninhos
Os açudes e os moinhos
Que faziam a farinha
A fonte com água fresquinha
Para toda a população
A moagem que moía o grão
Juntinho a ela o lagar
Nenhuma te pode igualar
Nesta pequena Nação