quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

José Gomes Ferreira

(Bach)

Pálidos de terror de viverem sozinhos na Terra
os homens começaram a construir Deus
com pedras lógicas de música
-que tornou maior a solidão dos céus.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

José Gomes Ferreira

Vá, diz que nunca pisaste uma formiga
sem logo sentir o luto dos remorsos subterrâneos
das cidades em crepes.

Diz que só foste infame em becos pessoais
e nunca manchaste os dedos
na recusa de desfraldar bandeiras.

Vá, convence as pedras, os bichos e as cores
de que sempre emprestaste os olhos
ao incêndio do nascer do dia
-meu triste herói-de-merda mentiroso,
tão feliz de trazer no coração a dor do mundo
(do tamanho do peso de uma flor)

(Fiz hoje cinquenta anos e resolvi auto-elogiar-me nesta ode)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Alexandre Herculano

E a bala sibilando
E o troar da artilharia
E a tuba clamorosa
Que os peitos acendia

E as ameaças torvas
E os gritos de furor
E desses que expiravam
Som cavo de extertor

E as pragas do vencido
Do vancedor o insulto
E a palidez do morto
Nu sangrento insepulto

...

Oh sim maldisse o instante
Em que buscar viera
Por entre as tenpestades
A terra em que nascera

Que é em fraternas lides
Um canto de vitória?
É delirar maldito
É triunfar sem glória

...

Do fratricídio a luva
Irmão a irmã lançara
E o grito: "ai do vencido!"
Nos montes retumbara.

Escritos depois do desembarque no Mindelo, enquanto participante na guerra civil. Não tinham chegado ainda os tempos da sua dedicação ao trabalho dos arquivos.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Á Senhora da Guadalupe

Virgem-Mãe da Guadalupe,
Minha mãe, minha madrinha:
Se meu bem vae ser soldado,
Oh! que desgraça é a minha!

Virgem-Mãe da Guadalupe,
Minha mãe, minha comadre!
'Stá sempre pedindo a Deus
P'ra que o mundo não se acabe!

Virgem-Mãe da Guadalupe
Que está na vossa ladeira!
Quem me dera ver meu bem
De resalva na algibeira!

Virgem-Mãe da Guadalupe
Tem uma fita amarella
Que lhe deram os soldados
Quando vieram da guerra.

Virgem-Mãe da Guadalupe,
Onde tindel-a ermida!
Entre Serpa e o Pchôto, *
N'esses olivaes mettida!

Virgem-Mãe da Guadalupe,
Quer'-lhe pedir uma cousa:
-O meu bem vae ao exame:
Que não traga a rapôsa!

*Denomina-se o Pechôto uma das vastas herdades que nesta villa possue o nobre fidalgo e ilustre homem de lettras, Senhor Conde de Ficalho.

Em A Tradição

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Poema da canção dedicada por Zeca Afonso ao Alfredo Matos


Ao Alfredo Matos
Por trás daquela janela
Por trás daquela janela
Faz anos o meu amigo
E irmão

Não pôs cravos na lapela
Por trás daquela janela
Nem se ouve nenhuma estrela
Por trás daquele portão

Se aquela parede andasse
Se aquela parede andasse
Eu não sei o que faria
Não sei

Se o mundo agora acordasse
Se aquela parede andasse
Se um grito enorme se ouvisse
Duma criança ao nascer

Talvez o tempo corresse
Talvez o tempo corresse
E a tua voz me ajudasse
A cantar

Mais dura a pedra moleira
E a fé, tua companheira
Mais pode a flecha certeira
E os rios que vão pró mar

Por trás daquela janela
Por trás daquela janela
Faz anos o meu amigo
E irmão

Na noite que segue ao dia
Na noite que segue ao dia
O meu amigo lá dorme
De pé
E o seu perfil anuncia
Naquela parede fria
Uma canção de alegria
No vai e vem da maré
Assina: José Afonso

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Lendas e romances (da tradição oral alentejana)

Puz-me a fazer uma aposta,
Mas eu não soube apostar,
De dormir com Marianna
Antes do gallo cantar:
Marianna, tão discreta,
Não se deixou enganar;
Foi-se pôr, á romeirinha,
Pela porta a passear.
-Que é isso, Marianna,
Pela porta a passear?
-Sou filha da tecedeira,
A falta venho buscar.
-A falta tenho-a eu,
Vamo-nos já a andar-.
Lá pela noite adiante
Marianna dava ais:
-Que é isso, Marianna,
Não te queiras difamar,
Que teu pae é dos bons homens,
Comtigo me há-de casar-.

Em A Tradição

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Manuel da Fonseca




"Que o meu amor seja
no meio do temporal
uma chicotada de vento
que estremeça as estrelas
desfaça os mitos
e rasgue nevoeiros
-escancarando sois!"



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Modas-Estribilhos alentejanas

Mariannita vem commigo
Á egreja a dar a mão!
Á egreja a dar a mão,
Á egreja a dar o sim...
Mariannita vem commigo
Passear ao meu jardim!

Passear ao meu jardim,
Passear ao meu quintal...
Mariannita vem commigo!
É mentira, não há tal!

Em A Tradição

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Modas-Estribilhos Alentejanas

O cerro da neve

Todas as bem-casadinhas
Vão par'ó cerro da neve...
Eu também para lá hei-de ir
Antes que a morte me leve.

Antes que a morte me leve
A mim mais ao meu amor...
Eu também para lá hei-de ir,
Oh, meu Deus, oh meu Senhor!