sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Edmundo Reis

A vida do pescador

Pescador que vais ao mar
Com as redes no porão
No barco a navegar
Para ganhar o teu pão

Vais lançar as tuas artes
Lá para o fundo do mar
Para ganhares as tuas partes
Do peixe que se pescar

Leva a corda retenida
O mestre a vigiar
Arriscando sua vida
Nas grandes ondas do mar

A viagem é prolongada
Numa embarcação costeira
Anda até de madrugada
A bordo de uma traineira

Se a companha é unida
Das partes que se apurar
É p'ra ser distribuida
Do valor que vem do mar

Mas às vezes corre mal,
Do pescado que se apanha
Baixa o preço e, no final
Pouco rende p'rá companha

Por isso o pescador,
Um valente marinheiro
Apesar do seu valor
Recebe pouco dinheiro

Há dias em que piora
O preço da lota, ofende
Deita-se o pescado fora
P'ra quem pesca, nada rende

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Edmundo Reis

Por onde anda o fado

De rua em rua andei
Fui à procura do fado
Mas não mais o encontrei
Não o vi em nenhum lado

O fado que era vadio
P'rós salões já se mudou
Munca mais ninguem o viu
Na rua onde murou

Hoje,temos bons artistas
Mas, estão do povo afastados
Já não vejo os fadistas
Na rua cantando fados

É que o fado nos salões
Não tem chama popular
Está longe das multidões
Que querem ouvir cantar

Cantem fadista p'ró povo
Quadras soltas e singelas
Tragam o fado de novo
P'rás ruas e p'rás vielas

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Edmundo Reis

Edmundo Reis

A verdade e a mentira, qual delas gosta mais?

A verdade é relativa
Seja lá ela qual fôr
A mentira é negativa
Tal como é o seu valor

Seja sincero
Diga qual você mais gosta
Dirá sempre, p'ra mim quero
Que a verdade seja reposta

Mas volto a perguntar
Lida bem com as verdades?
É que, algumas podem causar
Alguns estragos e maldades

Também gosto que a verdade
Seja sempre toda dita
Sou pela sinceridade
Acho a mentira maldita

Mas há quem
Toda a verdade não diga
Porque entende que faz bem
P'ra não criar uma briga

A verdade às vezes doi... e bem
Por uma tragédia conter
E assim ainda há quem
Minta, p'ra não fazer sofrer

Edmundo Reis, 67 anos de idade. Operário textil da CUF, foi durante muitos anos dirigente do Sindicato dos Texteis e Vestuário. Até esta data, não publicou nenhum dos seus poemas.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Modesto Martins Lopes


Versos a minha Mãe

Tenho a minha Mãe doente
Quase que paralizada
Era forte, era valente
Já não tem força p'ra nada

-

Só espera a hora da morte
Aquela que me é tão querida
A doença, atacou forte
Pouco lhe resta de vida

-

Ao ver sofrer quem me criou
Com tanto carinho e amor
É de certeza que sou
Como ela um sofredor

-

Não quero de maneira alguma
Que alguém chore os meus ais
Mas porque Mãe há só uma
Se a perco, não a tenho mais

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Modesto Martins Lopes

Dedicada a sua avó depois de morrer

A poesia mais feliz
Que me transmite mais dó
E que revela mais saudade
Foi um poema que fiz
Dedicado à minha avó
Com 95 anos de idade

Ao recordar essa velhinha
Vergada ao rigor dos anos
Relembro o muito que perdi
Essa relíiquia muito minha
Era a rainha dos humanos
O melhor que conheci

Era a mãe do meu pai
A raiz do meu sangue
Que a velhice matou
O passado já lá vai
Mas a lembrança se expande
Na saudade que deixou

Durará sempre a imagem
Do amor do grande afecto
Dos carinhos que me deu
Fica em versos a homenagem
Prestada pelo seu neto
Num poema que escreveu

domingo, 25 de outubro de 2009

Modesto Martins Lopes

Distraído

Sou um pouco distraído
Confesso que é normal
Talvez seja por desleixo
Que tudo me corre mal

Muitas vezes em companhia
As conversas de momento
Passam para o esquecimento
Na vida do dia a dia
Por causa da letargia
Tenho erros cometido
Por ter falta de sentido
Não evito a confusão
Oiço e não presto atenção
Sou um pouco distraído

Sem fugir à responsabilidade
Do que sou possuidor
Sou às vezes perdedor
Da justiça e da verdade
Penso em tudo facilidade
Como o acto mais banal
Esta conjugação afinal
Foi alguém que ma deixou
Porque ser assim como sou
Confesso que é normal

Nasci assim tributado
De certo que é condão
Por imperícia ou decisão
Tenho sido prejudicado
O período do passado
Foi de terrível desleixo
É só desse que me queixo
Foi mau o tempo vivido
Mas o que tenho sofrido
Talvez seja por desleixo

Não desgosto do meu porte
Apesar de erros conter
Quem segue mesmo a sofrer
Dá sinal do que é forte
Pode ser que um dia a sorte
Não se encontre marginal
Nessa altura crucial
Tenho o futuro comigo
E não digo a um amigo
Que tudo me corre mal

sábado, 24 de outubro de 2009

Modesto Martins Lopes



Televisão

Não sei como as coisas são
Para andar bem informado
Comprei uma televisão
Não devia ter comprado

Pensei ser um grande amigo
O aparelho que comprei
De certo que me engansi
Passa o tempo não lhe ligo
Suportá-lo não consigo
è arma da reacção
Dentro da nossa nação
É um instrumento perigoso
Não sei como as coisas são

É um móvel de fantasia
Da propaganda americana
Onde raivosamente se irmana
A política da burguesia
Sem saber o que fazia
Dei dinheiro mal empregado
Fiquei assim enganado
A maldade nela ressalta
Comprei porque me fazia falta
Para andar bem informado

As famosas telenovelas
Há dias que são aos pares
A destruição de muitos lares
É espelhada por elas
São isto fortes mazelas
Que trazem a podridão
Para quem tem noção
O seu valor é um zero
Para ver o que não quero
Comprei uma televisão

Seria um caso de envergadura
Com um sentido correcto
Se ajudasse o analfabeto
No caminho da cultura
Era uma escala segura
Se não pendessem só para um lado
Com um esquema transfigurado
A televisão era um bem
Como disse nada tem
Não a devia ter comprado

Modesto Lopes, nasceu em 1940 em Vale de Água, Santiago do Cacém. Tem apenas a 4ª classe do ensino primário elementar. Começou a poetar aos 11 anos. Assume que os seus poemas contêm elementos autobiográficos.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

António Aleixo

Tu que vives na grandeza,
Se calçaces e vestisses
Daquilo que produzisses,
Andavas nu, concerteza

-

Há tantos burros mandando
Em homens de inteligência,
Que às vezes fico pensando
Que a burrice é uma ciência!

-

Esta mascarada enorme
Com que o mundo nos aldraba,
Dura enquanto o povo dorme,
Quando ele acordar, acaba.

-

Com uma gravata mermelha?!...
Tem cuidado, não te esqueça:
-Que Salazar aconselha
Muitas cores menos essa.

-

Queria a Tunísia e a França;
Mas apanhou tal derrota,
Que já pôs termo à cagança
-Ficou reduzido à "bota"... (a)

a)A Mussolini, quando a Itália foi derrotada no norte de África

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

António Aleixo

Vós podeis chamar-me louco;
Domocrata; socialista...
E comunista também.
Que sou de tudo isso um pouco,
Pois sou uma coisa mista
Do bom que tudo isso tem!

-

Nem mais vem, como desejo,
Um mundo novo, perfeito;
Só fechando os olhos, vejo
Tal desejo satisfeito...

-

Que esperança será aquela
Que sinto desde criança,
Que ainda dou restos dela
Aos que já não têm esperança?!

-

Abusas do teu poder,
Puseste-me uma mordaça
P'ra eu não poder dizer
Quem fez a minha desgraça.

-

Tu andas cheio, eu vazio;
Tens à escolha o que quiseres.
Comes o melhor que eu crio,
Eu como o que tu não queres

-

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

António Aleixo

Riem d'outras com desdém
Certas damas bem vestidas;
Quantas, para vestir bem,
Se despem às escondidas!

-

Certas viúvas discretas,
De luto pesado em cima,
Lembram cachos de uvas pretas,
A pedir outra vindima.

-

A prima Maria Chica
'stá gorda, perfeita e bela;
E não precisa ser rica,
Tem a fortuna com ela!...

-

Você é tão pequenino,
Que um dia, quando casar,
Estará deitado na cama
E a mulher não o há-de achar.

-

Os padres são neste mundo
O melhor que há p'ra comadres;
Podem ser bons, mas no fundo,
P'ra mim são apenas padres.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Vós, que lá do vosso império
Prometeis um mundo novo
Calai-vos, que pode o povo
Querer um mundo novo a sério!

(António Aleixo)




















Para a mentira ser segura
E atingir profundidade,
Tem de trazer à mistura,
Qualquer coisa de verdade.

António Aleixo, será provavelmente o poeta popular português - e grande improvisador - mais conhecido e divulgado no país. A sua poesia, simples mas profunda, revela uma forma sábia de reflectir a condição humana e sobre si próprio.

Sei que pareço um ladrão...
Mas há muitos que eu conheço,
Que, não parecendo o que são,
São aquilo que eu pareço.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Poetas Populares

Este espaço tem por objectivo, acima de tudo dar a conhecer os Poetas Populares Portugueses. Foi iniciado com o Mote de umas décimas criadas, faz muito tempo, pelo autor, nascido em 1901 na povoação de S. Brissos, freguesia de Santiago do Escoural. Não sabia ler nem escrever, Foi trabalhador agrícola e carvoeiro. A sua poesia inspira-se nos trabalhos do campo e na vida dos trabalhadores.
Diz-me agora aqui burguês
Quem é que tanto te deu
Quando tu vieste ao mundo
Vieste nu como eu

(José Augusto Ferrão)