domingo, 23 de dezembro de 2012

Para variar, hoje não há poesia mas um Conto

A aldeia de Cisnéros, situa-se algures aí para o Alentejo! Se calhar, até nem existe em lugar nenhum, mas isso pouco importa, o que conta é a história que se segue.
Esta aldeia era um lugar pacato, habitado por gente humilde, que ganhava a vida nos trabalhos do campo. Aqui, o som mais alto que se ouvia era apenas o badalar do sino a anunciar as horas. Até que um dia apareceu um maltês de sacola às costas, dirigiu-se à taberna, pediu um quarto de pão meio queijo e um copo de vinho. Sentou-se, comeu e bebeu e ali ficou a tarde inteira, sempre calado, como um Zé-ninguém, sem eira nem beira.
A filha do taberneiro veio ter com o pai a pedir ajuda para fazer os trabalhos da escola, mas este não sabia ajudá-la. O maltês chamou a menina e ajudou-a, dando-lhe uma verdadeira lição. A menina ficou agradecida, perguntando-lhe se no dia seguinte a poderia ajudar outra vez. O maltês disse que sim.
Ao pôr-do-sol, o maltês desapareceu e só voltou a aparecer no outro dia à mesma hora. Dirigiu-se à taberna e disse que tinha fome. O taberneiro foi à cozinha, trouxe um prato de comida e perguntou-lhe o nome. O maltês disse chamar-se Zé Maria, comeu, agradeceu e saiu. Foi sentar-se à sombra do portal da igreja. Quando chegou o autocarro com a criançada da escola, o Zé Maria foi para a taberna, onde a menina já estava à sua espera com um grupo de amigas.
Foi assim que a partir daquele momento a taberna do Ti Chico da Esquina passou a ser centro de estudos onde os miúdos e graúdos aprendiam a ler e a escrever e, quando as explicações terminavam, o Ti Chico da Esquina, com aquele seu ar bonacheirão não cabia em si de contentamento pelo rumo que as coisas estavam a tomar.
Zé Maria passou a ser admirado por todos. Retribuía com muita simpatia, ajudando a tratar dos quintais, a arrumar armazéns, e ele fazia tudo o que fosso necessário e fazia-o com uma abnegação tal que parecia redimir-se de algo...
Zé Maria notava que à missa só assistia meia dúzia de idosas, Falou com o padre, organizou e ensaiou um coro que passou a dirigir assistindo ao acto litúrgico dos Domingos com a igreja sempre cheia.
Pelo seu comportamento o Zé Maria foi aceito por toda a comunidade. Mas... a população intrigada interrogava-se sobre quem seria o Zé Maria e o que lhe teria acontecido na vida?
Um mistério!

Henrique Mateus

sábado, 15 de dezembro de 2012

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Viriato Horta

Uma Vida Atribulada

Por imperativo da vida
Morei em muitos lugares,
Uns melhores, outros piores
Conheci imensos lares.

Nasci lá pelos Algarves,
Mas pouco tempo lá estive,
Passando por outras terras,
No Alentejo me contive.

Mesmo naquela Província,
Vivi em quatro concelhos;
Estudei em duas escolas,
Conheci novos e velhos.

Já na minha adolescência,
Voltei de novo à origem;
Comecei a trabalhar,
Que as necessidades exigem.

Ali fiz tudo, até tropa,
Vivendo em várias cidades;
Cumprindo um ciclo de vida
Até à maioridade.

Já com os vinte passados,
A Setúbal vim parar,
Pensando ser de passagem,
Acabei por cá ficar.

Com saídas e regressos
Em serviços profissionais,
Também corri seca e Meca
Para me valorizar mais.

Felizmente consegui
Sempre melhorar de vida,
E mesmo sem actividade
Gozo a reforma merecida.

Conheci e fiz amigos
Nestas décadas passadas,
E sou um homem feliz,
Com as pessoas amadas.

Em O Canto dos Poetas

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Ana Sofia Vilares

O Pássaro

Vi um pássaro a comer
E fiquei muito intrigada
Como conseguiria voar
Com a barriga tão pesada?

Levantou voo entre as nuvens
Com uma habilidade nunca vista
Parecia que estávamos no circo
E ele era o principal artista

Fiquei encantada a vê-lo
E pensei que gostaria
De poder ser sua amiga
E voar com ele um dia

Em O Canto dos Poetas

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

António Aleixo

Sou um dos membros malditos
dessa falsa sociedade
que, baseada nos mitos,
pode roubar à vontade.

Esses por quem não te interessas
produzem quanto consomes:
Vivem das tuas promessas
ganhando o pão que tu comes.

Não me dêem mais desgostos
porque sei raciocinar...
Só os burros estão dispostos
a sofrer sem protestar!

Luminoso, como sempre o Mestre António Aleixo!

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Francisco Machado Pratas

Sem título

Só são assim tão gritantes
Porque há poderes desleais
Esbulhando os ignorantes!

Democratas, ditadores,
O essencial não muda:
Quem trabalha vive horrores,
E não há quem lhes acuda.

Tanto hoje como dantes,
Sejam votados ou não,
Os governos são mandantes
Das vontades do patrão.

Enquanto houver classes,
Não haverá qualquer meio
De impedir que os rapaces
Vivam do esforço alheio.

Mais doutor, menos doutor,
Depois do curso na mão
Vão servir o opressor
E que se dane a nação.

Em O Canto dos Poetas

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Francisco Pratas

Eu e o Aleixo

Parte da minha poesia
Gira em torno dum eixo:
Dar luta à hipocrisia
Fazendo jus ao Aleixo.

Não versarei convincente
Como o artista algarvio
Mas sinto como ele sentiu
As dores da pobre gente,
Dói-lhe a pilhagem indecente
Aos haveres de quem os cria,
Daí, a minha energia
Na denúncia dos velhacos,
Pondo ao serviço dos fracos
Parte da minha poesia.

Sou naturalmente assim
E ando cá nesta lida
Com a moral acrescida
De não querer nada para mim.
Só almejo pôr um fim
À indiferença e desleixo
Dos que, à sombra dum freixo
Sugam o mel à colmeia
Enquanto a dor alheia
Gira em torno dum eixo.

Não rimo só por rimar,
Ponho sempre uma mensagem
No dorso duma aragem
Que a possa transportar,
Que ela logre despertar
A consciência arredia
Ou vencer a abulia
Do povo triste e descrente
Porque é muito premente
Dar luta à hipocrisia.

Bem sei das dificuldades
De enfrentar o SISTEMA,
Mas a força dum poema
Pode congregar vontades:
Depois, há realidades
Como com um sorriso seixo
David quebrou o queixo
E o poder de Golias,
Uso estas alegorias
Fazendo jus ao Aleixo.

Em O Canto dos Poetas

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Maria Só

Mãos do Povo

Mãos do povo, calejadas e trigueiras
Lutam em grandes canseiras
Malham ferro, enfrentam o mar bravio
Com a vida por um fio
Semeiam, amassam pão
Nas obras, constroem um mundo novo
Mãos do povo, são versos de uma canção
Em gestos de coração
Mãos generosas, carinhosas
Mãos que sabem embalar
Mãos que salvam e afagam
Sabem criar mais valia
Força viva dia a dia
Mãos do povo, mãos poesia

Em O Canto dos Poetas

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

J.Rodrigues

Pobre País Mal Governado

Neste país tão desgraçado,
Dizem à beira-mar plantado!
O povo explorado com gosto,
O governo lança mais imposto!

Políticos mal preparados,
Prometendo melhores ordenados!
Prometem melhor e mais saúde,
E assim o povo se ilude!

Cada dia Portugal é mais pobre,
O desemprego continua a subir!
Mas nos bancos o lucro sobe,
A fome põe os portugueses a pedir!

As indústrias estão-se a extinguir,
Para quê estudar e tirar cursos!
Os mais inteligentes estão a sair,
Fica por cá quem não tem recursos!

Cada dia há mais crimes e roubos,
Roubam aos cidadãos e residências!
Os dirigentes fazem de nós bobos,
Aos criminosos tratam com indulgência!

Temos uma polícia mal remunerada,
Retiram-lhe toda a autoridade!
Vive sem condições, mal alojada!
Têm que acabar com esta calamidade!

Existe corrupção a alto nível,
São os jornais que o afirmam!
Isto assim não é mais credível,
Esperamos ver isto um dia acabar!

(publicado em 2009, e tão actual...)

Em O Canto dos Poetas

O Poema de ontem, dia da Greve Geral


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Viriato Horta

O Mar

Falar do mar não é fácil
Tem muito que se lhe diga
A natureza o criou
Discuti-lo gera intriga

Azul, verde ou cinzento
Conforme a luz ambiente
Bravo ou manso ele se queda
Pela influência que sente

Fonte de grande riqueza
Principalmente em pescado
Nem sempre podem domá-lo
P'ra ser bem aproveitado

Percorrido em permanência
Em todas as direcções
Ligando todos os portos
Com várias embarcações

Aproveitado a preceito
Para diferentes recreios
Quer nas praias ou mar alto
Nos mais variados meios

Quem gosta muito do mar
Sente uma atracção imensa
Não se pode afastar dele
Pois fica em tristeza imensa.

Em O Canto dos Poetas

domingo, 11 de novembro de 2012

Custódia Pereira

Ser poeta é estar atento

Ser poeta não é só arte
Não se aprende nem se ensina
É algo que predomina
Aqui e em qualquer parte.

És poeta bem dotado
E vives na fantasia
Com muita arte e magia
Poetas tenham cuidado

Nas frases, ó poeta tens talento
E tens muita invenção
Põe na poesia a vocação
Por isso está sempre atento

Inspira-se no momento
Em que as veias do papel rasgar
Com tinta a realçar
Ele mostra o seu talento.

Pondo a rima a realçar
Na conversa desejada
Fica a poesia realçada
Só é preciso saber rimar.

Ser poeta é estar atento
Ter na poesia vocação
E ter imaginação
Escrevendo frases de talento.

Em O Canto dos Poetas

sábado, 10 de novembro de 2012

Viriato Horta

São Martinho nas Termas

Oh meu rico S. Martinho
Já tardavas em chegar
Com castanhas e bom vinho
Nós te vamos festejar

Sem abusos e sem briga
É tua esta festa boa
Com um pouco de jeropiga
Estamos melhor que em Lisboa.

Para completar o pagode
Há outros frutos que tais
Porém nem sempre se pode
Almejar o que é demais.

O hotel não se esqueceu
E quis dar-nos um miminho
E de gosto até nos deu
Um cheiro de S. Martinho

Estamos gratos assim
Por essa bela lembrança
E o S. Martinho para mim
Foi lembrado com festança.

Em O Canto dos Poetas

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Zeca Afonso por Dulce Pontes e Júlio Pereria


Zulmira Candeias Madeira

Terceira Idade bendita

Este meu rosto enrugado
E a cabeça branquinha
São o postal ilustrado
Que acompanha a vida minha!

Chegar à terceira idade
Estar no INVERNO da vida
Exercer uma actividade
Cansada, mas não vencida!

Mas escuta estes conselhos
Transbordando simpatia
E acredita que os velhos
Têm mais SABEDORIA!

Em O Canto dos Poetas

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

João Lúcio Monteiro

Por tanto, tanto pensar
A bela Dona Maria
Nunca conseguiu casar
E fez bem, ficou p'ra tia!...

Não digas mal das mulheres
Nem digas que nos consomem
Mudarás quando souberes
Que é um mal-bom para o homem...

Em Ao Sabor da maré

Comentário: O JLM nesta segunda quadra, apesar do itálico, revela uma veia machista...

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

João Lúcio Monteiro

A negrura deste céu
Põe-me a alma entristecida
Foi o que a vida me deu
Por querer mudar de vida.

É meu desejo viver
Sem luxos e sem grandezas
Se da morte me esquecer
Serei feliz, concerteza.

Em Ao Sabor da Maré

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

João Lúcio Monteiro

Tenho da bola a paixão
Que vem dos tempos de escola
Hoje sou do coração
Apaixonado de "A Bola".

Em pequeno já sofria
P'lo meu Vitória sadino
Nessa altura mal sabia
Que era esse o meu destino.

Em Ao Sabor da Maré

terça-feira, 23 de outubro de 2012

João Lúcio Monteiro

Quantas vezes nós mentimos
Desprezamos a franqueza...
É por isso que sorrimos
Morando em nós a tristeza.

Política - estou a ler
É, também, acto de amor...
Só não consigo entender
Como há tanta fome e dor.

Em Ao Sabor da Maré

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

João Lúcio Monteiro

Tudo o que é feito por bem
Raramente é entendido...
Mas quem dá só o que tem
Deve ser compreendido.

A Cultura não é moda
É um bem muito importante
Pois a vida roda, roda...
Quem mais sabe, vai àvante.

Em Ao Sabor da Maré

domingo, 21 de outubro de 2012

João Lúcio Monteiro

Homem justo não suporta
A dor da ingratidão
Por ser lâmina que corta
Que mais fere o coração.

"É triste ser pobrezinho
Sem ter pai e sem ter mãe"...
E mais triste é ser velhinho
Sem amparo de ninguém.

Em Ao Sabor da Maré

sábado, 20 de outubro de 2012

Feira de Castro

Realiza-se há cerca de quatrocentos anos e continua a ser a mais famosa feira do sul do país. Do ponto de vista económico foi marcante nos  tempos idos e ainda era há escassas dezenas de anos. Na tradição alentejana, pela sua grandeza, era usada como "termo de comparação" nas mais diversas situações.
E a Feira de Castro continua a afirmar-se vigorosa. Decorre neste fim de semana.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Fernando André

Claro que errar é humano
Mas quem por sistema errar
Anda-se a si mesmo a enganar
E à sociedade a dar dano.

Em Gostava de ser poeta

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Fernando André

Quem me ensinou foi o Povo

Li livros de viva voz
Ao escutar com atenção
Histórias de meus avós
Que gravei no coração.

Fui ao povo a procurar
As coisas que mais dizia,
Pois por sabê-las ardia,
Para as poder divulgar.

Coisas que nele aprendi
Que conto à minha maneira
Numa métrica ligeira,
Do que ouvi, eis algo aqui.

Pretendo aqui transmitir
Do meu povo algum saber,
Que de tanta vez ouvir
Acabei por aprender.

Não sou cem por cento autor
Destas quadras que escrevi
Pois o seu sentido eu li
Do que o povo diz de cor.

Em Gostava de ser poeta

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Fernando André

Homenagem a António Aleixo

Quero antes de mais nada
Neste meu livro deixar
Minha homenagem prestada
Ao poeta mais popular.

A Camões, via erudita
E a ti, via popular,
Não se pode comparar
De nenhum poeta a escrita.

Aleixo, poeta amigo,
Transmissor da voz do povo,
Deste ao povo um sabor novo
Sob o qual eu já me abrigo.

É a ti que eu devo, Aleixo,
A razão de eu escrever;
Comecei depois de ler
"Este livro que vos deixo"

Não o poderei negar
E sei bem que não o devo,
Que te estou a imitar,
Aleixo, no que escrevo.

Em Trás-os-Montes nasci;
Tu, algarvio nasceste;
Tal como tu me senti
Ligado ao que escreveste.

Aleixo, muito obrigado
Porque o caminho me abriste;
Fui por ti iluminado,
Tu de mestre me serviste.

Em Gostava de ser Poeta

domingo, 30 de setembro de 2012

António Aleixo é indiscutivelmente um dos maiores poetas populares portugueses. Utilizava as palavras de forma notável e, sem dúvida, com extrema facilidade. Deixou claramente expressa a sua elevada consciência de classe, o seu desprezo pela injustiça, pelas desigualdades sociais, pela ganância.
Estou profundamente convencido que, se fosse vivo no tempo presente, denunciaria com a sua mestria nos seus versos a dura realidade criada ao povo do seu país.

Acho uma moral ruim
Trazer o vulgo enganado:
Mandarem fazer assim
E eles fazerem assado.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

António Aleixo

Abusas do teu poder,
Puseste-me uma mordaça
P'ra eu não poder dizer
Quem fez a minha desgraça.

Não creio que penses bem
Ao querer que eu pense assim;
Porque creio que ninguém
Poderá pensar por mim.

Não me dêem mais desgostos
Porque sei raciocinar...
Só os burros estão dispostos
A sofrer sem protestar!

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

António Aleixo

Tu que vives na grandeza,
Se calçasses e vestisses
Daquilo que produzisses,
Andavas nu, com certeza.

Tu andas cheio, eu vazio;
Tens à escolha o que quiseres.
Comes o melhor que eu crio,
Eu como o que tu não queres.

Quando morrermos já sei...
Tens padres missas e luzes;
Dobram os sinos, levas cruzes,
E eu... nem caixão levarei

Se andas comigo à pancada,
A Justiças comprarás...
Arranjas uma embrulhada,
Que vou preso e tu não vás.

sábado, 22 de setembro de 2012

António Aleixo

Há tantos burros mandando
Em homens de inteligência,
Que às vezes fico pensando
Que a burrice é uma ciência!

Metade do mundo come
À custa de outra metade;
Viver com honestidade
É abrir portas à fome...

A fartura ao pé da fome,
Raramente se dá bem:
Quase sempre quem tem come
À custa de quem não tem!

sexta-feira, 21 de setembro de 2012


António Aleixo

Esta mascarada enorme
Com que o mundo nos aldraba,
Dura enquanto o povo dorme,
Quando ele acordar, acaba.

(Tão actual o Gr António Aleixo!)

domingo, 9 de setembro de 2012

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O Ideal Olímpico não tem barreiras...

Vi, parcialmente, pela televisão, a cerimónia de abertura dos Jogos Paralimpicos de Londres. Foi uma alegria ver a determinação das e dos desportistas, que tudo irão fazer para se superarem nesta festa que são os Jogos Olímpicos "da diferença"! Para todos eles manifesto a minha simpatia e admiração!

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

José Alberto Carmo Raposo

Pintei

Pintei teu rosto na tela
Com os versos de um poema
Dei-lhe a cor do Sol-posto
Em fim de tarde serena
Pintei nos olhos doçura
Silêncio na tua boca
Pinceladas de ternura
Alegria quase louca
Pintei assas de verdade
Para que possas  sonhar
Com a tua liberdade
Como um pássaro a voar
Neste poema inocente
Pintado com versos tais
Pintei teu olhar diferente
Mas igual aos demais

Em Um Olhar Diferente

sábado, 25 de agosto de 2012

Rui Alberto Santos Caleira

O Meu Mundo

O Mundo do Deficiente
Ninguém o conhece...
Mas ele é gente,
não é o que parece...
só o deficiente o sente...
Queres conhecer-me?
Dá-me a tua mão,
e eu abro-te
o Meu coração!...

Em Um Mundo Diferente

Ao longo de uma década (de 1996 a 1005) promoveu anualmente a APPACDM de Setúbal o concurso de poesia sob a temática da diferença - Um Olhar Diferente. Em 2006 foram editados em livro os trabalhos laureados nesses vários concursos. Destes, alguns vão ser  publicados no blog, sendo a escolha da minha exclusiva responsabilidade, conforme o critério aqui seguido

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

José Alberto Carmo Raposo

Haverá Alguém Perfeito?

Foi sozinho que aprendi
Que o amor nunca mente
Foi sozinho que sofri
Como é duro ser diferente
Quando passo na rua
Onde passa toda a gente
Qualquer olhar insinua
Só porque sou diferente
Sou diferente
Mas isso não é defeito
E neste mundo presente
Haverá alguém perfeito?

Em Um Olhar Diferente

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Mário José Fragoso Serra

Diferença

O meu olhar a ti te diz que sou diferente,
Como os outros seres ditos normais,
Como os demais,
Que me fazem sentir gente,.
Onde se acende a luz da chama ardida,
Pelo sentimento de amor... tal é a crença...
Dessa vivência que te afaga algo contida,
E que é sonho em mim presente onde te abraço,
Ou donde colhes da semente a felicidade,
Simbolizando o querer dessa vontade,
De darmos em cada dia juntos... um só passo!

Em Um Olhar Diferente

domingo, 22 de julho de 2012

"Anda cá, anda cá
anda cá trincar pinhões.
O teu mal era batata
agora são camarões"

sábado, 14 de julho de 2012

Vira

Ai o vira do Zé Trampe
de quatro leva o andor
Ai faz tu a novena ao santo
Que eu pago ao pregador
Ó vira que vira
Ó vira virava
e as voltas do vira
sou que as dava


Em  Entre Urzes e Camarinhas

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Cantiga ao desafio

Cantar bem, cantava eu
na minha mocidade.
hoje quero e não posso,
cantar à minha vontade...

Em Entre Urzes e Camarinhas


quarta-feira, 4 de julho de 2012

Adeus, ó Senhora da Arrábida
que eu a serra hei-de subir
que eu solteira ou casada
tornarei a cá vir.

...

É nabo, é grelo
eu sinto prazer em vê-lo
o nabo pica na couve
a couve no nabo
e o nabo no grelo

Ontem à meia-noite
ouvi apitar "ó da guarda"
Era o nabo mais o grelo
atrás da couve lombarda.

...

O Meu amor é de Aveiro
e trabalha n'Aroeira
dá tantas voltas na cama
como o peixe na ribeira.

Cantigas das Festas da Arrábida, publicadas em Entre Urzes e Camarinhas as festas da Arrábida e de Tróia

terça-feira, 3 de julho de 2012

Olaria és Rainha

P'ra que viva a olaria
neste nosso Portugal
nos metemos a fazer
este Encontro Nacional

Oleiros e professores
autarcas em reunião
pr'além disso ainda temos
uma linda exposição

És antiga companheira
do homem no seu lutar
tens um jeito de futuro
p'rà nossa vida mudar

De S.Miguel a Barcelos
todo o barro é irmão
ó minha terra diversa
tens de encontrar teu filão

Tens origem ancestral
tens tradições seculares
olaria és rainha
entre as artes populares

Não vamos deixar morrer
esta nossa tradição
a arte que faz nascer
as peças da tua mão

Na roda viva de hoje
olaria és lição
façamos renascer
no Homem o artesão

Em Relato e Conclusões do Enc. Nac. de Olaria, Almada 1981

segunda-feira, 2 de julho de 2012

És antiga companheira
Do homem no seu lutar;
Tens um jeito de futuro
P'rà nossa vida mudar

Anónimo, em Relato e Conclusões do Encontro Nacional de Olaria, Almada 1981

sábado, 23 de junho de 2012

Dialecto Mirandês

Öusendi¨ca era pastora.
Linda i chena d' alegrie,
Cantaba, fazendo meia,
Até la çposta del dìe.

Rompìe l alba i Öusendì¨ca
Yá sùes öubëilhas traìe,
A pacer i a berrear,
à strelhada gritarìe.

Öusenda, de clor triguëira,
Alma d'anjo inda tenìe,
Florie-l nos olhos las strëilhas
De tóla grácia q' habìe.

Em Nossa Alma i Nossa Tierra

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Dialecto Mirandês

Bã-te röubando l alma,
Mìe tierra pequenina!
I deixã-te sien, calma,
Sien fala i sien, sentir,
Mudando l töu bibir...

-Morrendo-te a la squina!...

La fala dels abós
Yá n~u la querémos nós!...

Canti¨gas q' erã strëilhas
Acábã sien dar pur ëilhas!...

Bestidos q' erã tã guapos,
Antëiros fortes i ri¨cos,
Trocór~u-los pur farrapos
A Ambrulhar corpos tunti¨cos...

La fé q' era tã biba,
Tã pura cum' el sol,
Tã firme i tã segura
Cum' asssentar de fragas,
Bã-la molendo i matando
I, ã sõu lhugar, deixando
Cegueiras, crimes i pragas!...

... - Tól alma se mos bai indo
No bício que bai benindo!...

Em Nossa Alma I Nossa Tierra

domingo, 17 de junho de 2012

Dialecto Mirandês

Eiqui bibiu Pertual zde la primeira hora, pur eiqui naciu, e pur ende abaixo se botõu... antrõu ne mar i döu bolta al Mundo...

(Castelo de Algoso, primeira cabeça da terra de Miranda e primeiro lugar, em Portugal, onde se estabeleceram freires militares do Hospital - últimos anos do século XII)

Em Nossa Alma I nossa Tierra

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Figuras de Setúbal

Mestre João Vaz na pintura
CALAFATE a calafetar
Poeta de muita ternura
Setúbal ele soube cantar

E Houve outros setubalenses
Muito humildes em suas vidas
E são esses que vão ser lembrados
Plo CETÓBRIGA nestas cantigas

O ENGENHEIRO da SAPEC
É um bom homem, por assim dizer
Com a sebenta gabardine
Sapatos de ténis a condizer

O KALY ficou famoso
E quando "quá, quá" lhe diziam
Ficava de todo furioso
Das pedradas todos fugiam

Sempre vestida como convém
Dona DORETE ama a vida
Qualquer trapinho lhe fica bem
Roupa berrante oferecida

Seu nome AMÉRICO RIBEIRO
Retratista de muito valor
A fotografar foi o primeiro
Numa carreira feita de amor

LAMAS, homem sério e sereno
Muito engraçado no falar
De porte largo e pequeno
E grandes pés para andar


Muito popular na sua arte
CHICO DA CANA é um artista
Da nossa cultura faz parte
De Setúbal muito bairrista

ZÉ MALUCO octogenário
Grande amigo dos animais
quarenta gatos tem em casa
E à sua porta muitos mais

Com penas e medalhas enfeitado
Vende esperanças sem dinheiro
Muito humilde e respeitado
O nosso PÃO e UVAS cauteleiro

Na sua bicicleta sem travões
Cachimbo na boca, ao lado
Lenço branco no macaco
Eis FINURA aperaltado

Carlos Rodrigues o artista
Bom setubalense e amigo
O melhor que há na revista
Por MANUEL BOLA conhecido

E estas figuras de Setúbal
Cada uma à sua maneira
São parte integrante da cultura
De gente orgulhosa e ordeira

Em Histórias Cantadas, de Fernando Baptista

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Rumo à Terra Nova

Com sotaque da Figueira ou Aveiro
Aos setubalenses se vinham juntar
Terra Nova como rumo primeiro
Para em conjunto no mar pescar

Eram do Norte esses marinheiros
Vinham a Setúbal carregar sal
Na popa dos navios bacalhoeiros
Traziam a bandeira nacional

Partiam os veleiros do meu país
Rumo à Terra Nova para pescar
Nos seus doris em condições hostis
Na imensa vastidão do alto-mar

Em Histórias cantadas, de Fernando Baptista

terça-feira, 12 de junho de 2012

Manuel da Fonseca

Veio a guarda com a lei
no cano das carabinas,
Cercaram-me num montado;
puseram joelho em terra;
gritaram que me rendesse
à lei dos caminhos feitos.
Mas eu olhei-os de longe,
o rosto apenas virado,
que só vi em meu redor
dez pobres ajoelhados
perante mim, meu senhor.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Chama-se Catarina
O Alentejo a viu nascer
Serranas viram-na em vida
Baleizão a viu morrer

Ceifeiras na manhã fria
Flores na campa lhe vão pôr
Ficou vermelha a campina
Do sangue que então brotou

Acalma o furor, campina
Que o teu pranto não findou
Quem viu morrer Catarina
Não perdoa a quem matou

Aquela pomba tão branca
Todos a querem p'ra si
Ó Alentejo queimado,
Ninguém se lembra de ti.

Aquela andorinha negra
Bate as asas p'ra voar
Ó Alentejo esquecido,
Inda um dia hás-de cantar.



segunda-feira, 28 de maio de 2012

Modas do Cante Alentejano

A água, de ladeira acima,
Sem a lavarem não vai.
Se queres que eu seja tua
Vai-me pedir ao meu pai.

---

Ó alta serra da neve
Onde o penedo caiu,
Ninguém diga o que não sabe
Nem afirme o que não viu.

---

Quero cantar, ser alegre,
Que tristeza não faz bem.
'inda não vi a tristeza
Dar de comer a ninguém.

---

A chorar te disse adeus,
Lindo amor, quando te eu via
Pois confesso-te a verdade,
A chorar te amei um dia

Em Corais Alentejanos


sexta-feira, 25 de maio de 2012

Modas do Cante Alentejano

Estrada nova, estrada nova,
Estrada nova do pontão;
Por causa da estrada nova
Padece meu coração.

---

Eu não sei que simpatia
Meus olhos te vão tomando,
Quanto mais para ti olho,
Mais desejo estar-te olhando.

---

Eu hei-de mandar fazer,
Mas não sei se me farão;
Um barco de saudades,
Em teu peito uma estação.

---

O coração também chora,
Eu ainda não sabia.
Esta noite acordei eu
Ao pranto que o meu fazia.

Em Corais Alentejanos

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Modas do Cante Alentejano

Amor é tufo no mundo;
Sem amor o que seria?!
Nem o sabor tinha gosto,
Nem o sorriso sorria!

---

Quem amor não tem na vida,
Não pode andar satisfeito
Que o amor é lei divina,
Não há nada mais direito.

---

Alegria de meus olhos
Eu não sei quem ma tirou
Tão alegre como eu era
Tão triste que agora sou.

---

Alegria duma quinta
É um verde laranjal!
A tristeza duma mãe
É um filho militar.

---

Anda lá, padece
Triste coração,
Arrecebe a paga
Que os amores dão.

Em Corais Alentejanos

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Modas do Cante Alentejano

A cana verde no mato
É sinal de fonte haver;
S'ê contigo nã' casar
Com outra nã' há-de ser.

---

A flor da fava é branca,
Ao longe faz aparência.
Para amar teu coração
É preciso ter paciência.

---

Vou-me embora, vou-me embora,
Vou-me embora já está dito
Vou colher a folha à rosa
E a semente ao manjerico.

Em Corais Alentejanos

sábado, 12 de maio de 2012

Modas do Cante Alentejano

Abre esta carta e verás
Dois passarinhos poisados
Faz de conta que sã' bêjos
Sã' bêjos por mim mandados

---

Ai! quem fosse borboleta
Voasse como ela voa!
Entrava no teu sentido,
Que o voar dela não sôa!

---

A cobra no verde mato
Foge que desaparece
Assim sâ' estes mês olhos
Ó pé de quem mos merece

---

Amanhã me vou embora
Prà terra das andorinhas
Mete carta no corrêo
Se queres saber novas minhas

Em Corais Alentejanos

sexta-feira, 11 de maio de 2012

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Modas do Cante Alentejano

Sou de Cuba natural,
E não me posso negar;
Toda a gente me conhece
Pelo modo de falar.

---

Em Moura tudo é bonito,
Em Moura tudo verdeja
Mas o Sol, que brilha em Moura
Primeiro passa por Amareleja.

---

Lá vai Serpa lá vai Moura
As Pias ficam no meio
Quando chego a Aldeia Nova
Não deve haver arreceio.

---

Monte de Dona Maria
Tem binte e quatro janelas
Bai uma pombinha branca
Apoisar em uma delas.

Em Corais Alentejanos

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Modas do Cante Alentejano

Já não tenho pai nem mãe
Nem nesta terra parentes,
Sou filho das águas turvas,
Neto das águas correntes.

Ó minha mãe, minha mãe,
Ó minha mãe, minha amada,
Já perdi a minha mãe,
Já não faço gosto em nada.

"Variadas são as cantigas populares. As mais delas exprimem os sentimentos da pessoa humana. A paixão do amor tem especial relevo. Toda a gama de sentimentos que constituem a vida afectiva do indivíduo elas exprimem. O prazer e a dor, a alegria e a tristeza, o ódio, o ciume, a inveja, o desgosto, a resignação, a saudade, a melancolia, o orgulho, etc. tudo nelas se versa. Os próprios sentimentos- religioso, moral, intelectual, estético - aí se retratam."
A flora e a fauna da região, os astros, as produções agrícolas, as povoações, os diversos e variados trabalhos campestres (sementeiras, mondas, ceifas, debulhas),  e as estações ou quadras do ano em que se realizam, tudo é  motivo para ser cantado em verso.
Há cantigas humorísticas, sarcásticas e mordazes. Há-as irónicas, sentenciosas, anedóticas, de disputa ou desafio. Há outras que requerem cálculo, e ainda as de carácter filosófico, que é muito sua, filha da experiência."

José Francisco Pereira, em Corais Alentejanos

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Descrição ácerca de uma "Adiafa"

"Pelas adiafas da ceifa, ou em Fevereiro, quando se acaba na lagariça a mastuga da azeitona, se o lavrador é bizarro, mata-se na herdade um chibato barbão para ensopado, vêm as raparigas da aldeia e dos montes perto, e é um dia de festa entre a "cambada". Logo pela manhã, mastro no pátio, com festivas verduras de medronheiro, mentrastes, flores do monte; depois, na cozinha, o brasido de azinho e vides secas, as panelas, de roda, escachoando, os arrozes de olha gordos e toucinho, as orelheiras com couve e grãos durázios, e ao centro do lumaréu, na plena chama das vides, que dois ou três renovam, o enorme tacho onde a badana guisa, fedendo os seus fartuns de mato, entre batatas, pilhas de cebola, montes de salsa hortense a colorau."
"Enfim, coração lesto! o que há-de ser, será... - e os veludosos olhos da rapaziada beirã luzem com essa vaga doçura do vinho unido à pena, quando, sentados ainda de roda do almoço, ouvem no terreiro o adufe das moças alentejanas que os concitam..."

O rouxinol quando bebe,
Na fonte d'água corrente,
Tira penas com que escreve
Cartas ao amor ausente...

Em Antologia de Fialho de Almeida

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Falares de Barrancos

Ê me lebantí da cama logu p'la manhã, bebí u café com pãu i quêju. Dehpoi fi p'rò trabalhu: çacá trigu p'rà êra, i gahtí trê Z ora; dehpôi fui almuçá, i logu fi a buhcá ôtru biaje, i ôtru, áta áh dua Z ora, i logu fi a jantá, i dehpoi fi a buhcá ôtru biaje, i açim at'á noite.

(homem de 28 anos)

U primêru que fi, foi labá-me a cara; logu dehpoi tumí u cafelitu, i dehpoi mê pu a amaçáR u pãu i agora ehperei que çe fintára; i 'tandu finta, aquèçi u fornu, meti-u dentru p'ra que cuzeçe.

(rapariga)

Hoje termino, ou melhor, interrompo a temática do dialecto barranquenho, no que me apoiei na obra do filólogo José Leite de Vasconcellos. Considero este tema apaixonante e uma pena que os falares de Barrancos se venham a perder, destino esse que, presumo, será inevitável.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Uma Estória barranquenha

Má sorte de um lôbo

Era uma porca com çeti bacurinhu' logu beyu um lôbu, i ç'u queria cumê; i ela le diçe:
-Nã tão ainda bautizadu'; bâmu bautiza-lu' á fonti, i tu eri u padrinhu.
Eli çe pô ençima du burcá i a porca, au dá-li u' bacurinhu' tirô com êli ("o lôbo") para dentru do pôçu, i ela çe foi. I u lobu nu fim de tre' dia' çaiu, i çe fôi um caminhu atianti; ç' encontrô uma égua com maxinhu', i le diçe:
-Agora comu-te u' maxinhu', porque tenhu munta fómi.
A égua rehpondeu:
-Não, tira-me primêru ehti picu.
I ela lebantô a páta para lu tirá, i le deu um côçi na cabeça.
Di u lôbu:
-Quei me fê a mi batizadô de bácuru', e tiradô de picu? Que raiu que mi partiçi!
Ç'arrimô a uma azinhêra. I êhtaba um omê curtandu; le caíu uma pêrnada ençima, i ali ficou mortu u lôbu.

(burcá = bocal do poço; maxinhu = mulo recêm-nascido))

(Recolhida em 1939)
Em Filologia Barranquenha


terça-feira, 1 de maio de 2012

Ary dos Santos



«…Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
Falso médico ladrão
Prostituta proxeneta
Espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!»

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Cantigas vulgares de Barrancos

Xamahti-me pé de jília,
Ê nã çô tã delicada,
Nã çô bunita nê fêa
Çô êm ti mál empregada.

Uma belha muntu belha,
Mai' belha q'a çaragoça,
Le falarôm êm cazá,
De belha turnô-çi moça.

Azêtona pequenina
Toda bai par'ó alagá
Ê tambei çô pequenina,
Mas çô firme nu amá.

Êngrata pur que razão
Na' falaZó tê amô,
Tendu tu ubrigação
De falá çej' a que fô?

Çubi ó artu da torri,
Pa bê currê u Guadiana,
Mai bal uma hóra di amori'.
Q'a jorna d'uma çemana.

Ó alta çerra da nebe,
Dond'u ôiru ritiniu:
Ninguei diga u que na çabe,
Nim ç'afirme u que na biu.

Já Juzé Mané na canta,
Cantom u' çê Z apendízi:
Quandu çe çéca uma pranta,
Reberdeçe na raizi.

Em Filologia Barranquenha

domingo, 29 de abril de 2012

Hino da Maria da Fonte

Viva a Maria da Fonte
A cavalo e sem cair
Com a corneta na boca
A tocar a reunir

Eia avante, portugueses
Eia avante, não temer
Pela santa liberdade
Triunfar ou perecer!(refrão)

Lá raiou a liberdade
Que a nação há-de aditar
Glória ao Minho, que primeiro
O seu grito fez soar!

Essa mulher lá do Minho
Que da foice fez espada
Há-de ter na lusa história
Uma página dourada!

 Viva a Maria da Fonte
A cavalo e sem cair
Com a corneta na boca
A tocar a reunir

Eia avante, portugueses
Eia avante, não temer
Pela santa liberdade
Triunfar ou perecer!(refrão)

Lá raiou a liberdade
Que a nação há-de aditar
Glória ao Minho, que primeiro
O seu grito fez soar!

Essa mulher lá do Minho
Que da foice fez espada
Há-de ter na lusa história
Uma página dourada!


 

sábado, 28 de abril de 2012

O Povo Unido Jamais Será Vencido!


De pé, cantar, que vamos triunfar
Avançam já bandeiras de unidade
Já vão crescendo brados de vitória
E tu verás teu canto e bandeira, florescer
A luz de um rubro amanhecer,
Milhões de braços fazendo a nova história.

De pé, marchar, que o povo vai triunfar
Agora já ninguém nos vencerá
Nada pode quebrar nossa vontade
E num clamor mil vozes de combate nascerão
Dirão, canção de liberdade;
Será melhor a vida que virá.

E agora, o povo ergue-se e luta
Com voz de gigante, gritando avante

O povo unido jamais será vencido

O povo está forjando a unidade
De norte a sul, na mina e no trigal
Somos do campo, da aldeia e da cidade
Lutamos unidos pelo nosso ideal, sulcando
Rios de luz, paz e fraternidade
Aurora rubra serás realidade

De pé, cantar, que o povo vai triunfar
Milhões de punhos impõem a verdade
De aço são, ardente batalhão
E as suas mãos levando a justiça e a razão
Mulher, com fogo e com valor
Estás aqui junto ao trabalhador.

E agora, o povo ergue-se e luta
Com voz de gigante, gritando avante

O povo unido jamais será vencido


De pé, cantar, que vamos triunfar
Avançam já bandeiras de unidade
Já vão crescendo brados de vitória
E tu verás teu canto e bandeira, florescer
A luz de um rubro amanhecer,
Milhões de braços fazendo a nova história.

De pé, marchar, que o povo vai triunfar
Agora já ninguém nos vencerá
Nada pode quebrar nossa vontade
E num clamor mil vozes de combate nascerão
Dirão, canção de liberdade;
Será melhor a vida que virá.

E agora, o povo ergue-se e luta
Com voz de gigante, gritando avante

O povo unido jamais será vencido

O povo está forjando a unidade
De norte a sul, na mina e no trigal
Somos do campo, da aldeia e da cidade
Lutamos unidos pelo nosso ideal, sulcando
Rios de luz, paz e fraternidade
Aurora rubra serás realidade

De pé, cantar, que o povo vai triunfar
Milhões de punhos impõem a verdade
De aço são, ardente batalhão
E as suas mãos levando a justiça e a razão
Mulher, com fogo e com valor
Estás aqui junto ao trabalhador.

E agora, o povo ergue-se e luta
Com voz de gigante, gritando avante

O povo unido jamais será vencido


De pé, cantar, que vamos triunfar
Avançam já bandeiras de unidade
Já vão crescendo brados de vitória
E tu verás teu canto e bandeira, florescer
A luz de um rubro amanhecer,
Milhões de braços fazendo a nova história.

De pé, marchar, que o povo vai triunfar
Agora já ninguém nos vencerá
Nada pode quebrar nossa vontade
E num clamor mil vozes de combate nascerão
Dirão, canção de liberdade;
Será melhor a vida que virá.

E agora, o povo ergue-se e luta
Com voz de gigante, gritando avante

O povo unido jamais será vencido

O povo está forjando a unidade
De norte a sul, na mina e no trigal
Somos do campo, da aldeia e da cidade
Lutamos unidos pelo nosso ideal, sulcando
Rios de luz, paz e fraternidade
Aurora rubra serás realidade

De pé, cantar, que o povo vai triunfar
Milhões de punhos impõem a verdade
De aço são, ardente batalhão
E as suas mãos levando a justiça e a razão
Mulher, com fogo e com valor
Estás aqui junto ao trabalhador.

E agora, o povo ergue-se e luta
Com voz de gigante, gritando avante

O povo unido jamais será vencido

 

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Cantigas vulgares de Barrancos

Adeu', bila de Barrancu',
Na é de ti q' ê m' alêmbru,
É de que ehtá dentru d' ela.
Que u mê Zólhu nã htão bendu.

Ehta bila de Barrancu',
Já lhe quére pô çidade,
Porque te uma Igreja noba,
Na praça da Libardade.

Barrancu', lindu Barrancu',
manda-me de lá dizê
Çê um amô que ê la tênho
Não u turnarê a bê...

Nã me lembraba Barrancu',
Nim que tal çidadi abia,
I agora já nã mi ehquèci,
Nim dê noite nim dê dia.

Çafára na bali nada,
Môira já bal'um bintei,
Barrancu já bali tudu,
Çó pela' moça' que tei.

Na çidade de Lihboa
Quei é ricu paça bei:
Ê na bila de Barrancu,
Açim le paça tamêi.

-D' ondi bei' Mariazinha,
Que bei' tôda mulhada?
-Bênhu da Ribêra Noba
De labá bênhu cançada.

Em Filologia Barranquenha

quarta-feira, 25 de abril de 2012

terça-feira, 24 de abril de 2012

Diálogo de animais

Uma bê ç'ajuntárom  uh pôcu' de bixu'. Agora fôrom prêzu' i diizia u Pêxe áu Lôbu:
-Tu quê pidihte?
-Montanha.
I u pêxe pidiu fundura.
Agora di u Lôbu:
-I u óme que pidiu?
Di u pêxe:
-Manha.
Rehpond'u Lôbu:
-Si u ómi pidiu manha,
nã te çerbi a ti a fundura, nim a mim a montanha!

Comentário ao diálogo de animais

O que diz o peixe aparece também como elemento duma cantiga popular muito usual nas províncias do norte do Tejo:

O Mar pediu a Deus peixes,
Os peixes a Deus fundura,
O homem pediu riquezas,
A mulher a formosura.

(estes pedidos entende-se que se referem ao começo do mundo)

Em Filologia Barranquenha

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Dia Internacional do Livro

Com o rosto desta obra do Professor J. Leite de Vasconcellos, chamo a atenção dos visitantes para o Dia que hoje se comemora. O Livro é um bom "amigo". Ler, nem que seja apenas uma página por dia, é uma salutar prática. Leiamos pois!

Ora aqui ficam três cantigas barranquenhas:

Uzólhu requere ólhu,
I u curação curaçõi
E u meu riquere uh teu
Em certa ucaziõi.

Barrâncu, pu sê Barrâncu,
Tambei  tei Çerrah de pãu,
Tambei tei moçah bunita.
I preta cumò carbão.

Quandu abali de Barrâncu,
Ôlhi para trá xurandu:
Adeu, amô da minh'alma,
Que longe me bai ficandu!

Esta última cantiga em barranquenho tem a sua correspondente em Serpa:

Quando de Serpa abalei,
Olhei para trás chorando...
Adeus, ó vila de Serpa,
Que longe me vais ficando!


sábado, 21 de abril de 2012

Os Trabalhadores Rurais do Alentejo e a sua luta pela posse da terra

Canais Rocha e Rosalina Labaredas abordam no seu livro Os Trabalhadores Rurais do Alentejo e o Sidonismo, editado pelas Edições Um de Outubro em 1982, uma questão central da luta do proletariado rural alentejano desde sempre: A posse da terra por quem a trabalha! A Reforma Agrária! Trata-se de um importante contributo para a questão que está por resolver. É bom lembrar que a grande conquista do 25 de Abril - a Reforma Agrária, foi pura e simplesmente destruída pela política de recuperação capitalista iniciada por Mário Soares.
Canais Rocha e Rosalina Labaredas investigaram um momento de intensa luta (e de feroz repressão)  travada pelos trabalhadores rurais alentejanos no período que se seguiu à implantação da Republica, nomeadamente, experiências pontuais de ocupação e exploração colectiva de terras em Vale de Santiago/Odemira, Coruche em Amieira/Portel e Vera Cruz/Portel.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

A pastorinha exaltada
Diz: Não mais quero trabalhar
Enquanto o Zé Burguês
Não me aumentar a soldada.
Já se encontra revoltada
No meio em que vai vivendo

Começa compreendendo
Um sublime ideal
Já distingue o bem do mal
E a falta que dele campeia
Já lhe fica na ideia
O que é o comunismo
Já vê o anarquismo
Numa pequenina aldeia

(Cantiga recordada por Teresa Feliciana Gonçalves, activista da Associação dos Trabalhadores Rurais de Vale de Santiago, no depoimento que prestou sobre as lutas do período do sidonismo, para a obra Os Trabalhadores Rurais do Alentejo e Sidonismo.)

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Todo o produto é de quem sua
A corja rica o recolheu.
Queremos que ela o restitua
O pobre só quer o que é seu.

Numa pequenina aldeia
Escutem trabalhadores
Uns aos outros vão dizendo
Não mais escravos nem senhores.

(cantiga que se cantava cerca de 1918 pelos trabalhadores rurais alentejanos, cantada por Mariana Francisca Chaveiro, na recolha de depoimentos para a obra Os Trabalhadores Rurais do Alentejo e o Sidonismo, de Francisco Canais Rocha Maria Rosalina Labaredas)

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Domingos Fialho Barreto

O Pescador:
Sou dos lados de Milfontes
Minha labuta é no mar
Com a morte sempre à vista
Onde há lindos horizontes
Minha labuta é no mar
Sou dos lados de Milfontes

O Mineiro:
Nos Lombadores em Padrões
Na mina vou trabalhar
Nas profundezas da terra
Sujeito a mil baldões
Nos Lombadores em Padrões

O Lenhador:
Faço lenhas e carvão
Subo às árvores pràs cortar
Tenho a desgraça a um passo
Se delas cair ao chão
Subo às árvores pràs portar
Faço lenhas e carvão

O Pescador:
As friezas e maresias
Nunca me vão perdoar
Sinto as juntas rangendo
São dores de noite e de dia
Nunca me vão perdoar
As friezas e a maresia

O Mineiro:
Aquele pó do minério
Já sei que me vai matar
Vou sentindo o peito seco
Só me resta o cemitério
Já sei que me vai matar
Aquele pó do minério

O Lenhador:
Eu tenho mesmo destino
Já me custa a respirar
É esse gás do carvão
Junto ao pó negro e fino
Já me custa a respirar
Eu tenho mesmo destino

O Pescador:
Desde que o barco solta
Seja ou não a remar
São redes linhas e bóias
Dá-se mil e uma volta
Seja ou não a remar
Desde que o barco solta

O Mineiro:
Ganhar o pão é custoso
O mineiro não tem par
Rebentando a dura pedra
Só ar quente e humidoso
O mineiro não tem par
Ganhar o pão é custoso

O Lenhador:
Arrancada uma azinheira
Tem trabalhos a dobrar
Picar galhos serrar toros
Pró abegão e lareira
Tem trabalhos a dobrar
Arrancada uma azinheira

O Pescador:
Igual aos pombos-correios
Tenho de me orientar
Seja de noite ou de dia
Às vezes com mil rodeios
Tenho de me orientar
Igual aos pombos-correios

O Mineiro:
A mina é uma masmorra
Condenado pra ganhar
O pão do dia-a-dia
Estou eu até que morra
Condenado pra ganhar
A mina é uma masmorra

O Lenhador:
Quase não ganho prà roupa
Sujo estou por mais lavar
Os lenhos tudo me rompem
Sabendo que tenho pouca
Sujo estou por mais lavar
Quase não ganho prà roupa

O Pescador:
Chega de lamentações
Só já nos falta chorar
Falando das nossas vidas
Sem ver causas nem razões
Só já nos falta chorar
Chega de lamentações

O Mineiro:
A causa está à flor
Nem é preciso pensar
É o poder explorando
Sem justiça nem amor
Nem é preciso pensar
A causa está à flor

...

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Manuel João Manços

"Pão de amargura comido
é mel n'alma deprimida
Nunca te dês por vencido
por sofrer muito na vida

Tens de soltar um grito
um grito de alerta,
nesta província deserta
de terras abandonadas:
-Acabem com as coutadas!"

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Eugénio de Andrade

Alentejo

Agonia
dos lentos inquietos
amarelos,
solidão do vermelho
sufocado,
por fim o negro,
fundo espesso,
como no Alentejo
o branco obstinado.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Eugénio de Andrade

A caminho de Beja

Chega ao fim o enlouquecido
amarelo dos girassois;
chega ao fim extenuado.

Só o branco,
o branco enraivecido
da cal.continua a sangrar
nos flancos - como um toiro ferido.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Manuel Gonçalves

Meu irmão semeador
Lembram Deus os gestos teus:
Semeias pão, com amor,
Eles, as estrelas dos céus...

(-Bendito seja o suor
Que de um homem faz um deus!)

*

Fosse eu ditador um dia,
Mas que bem que governava!
Pobre ou rico só comia
Do pão que em paz amassava.

(-Mas que bela tirania,
Nunca o povo a derrubava!)

*

Trouxe-me a fome à cidade
Mas quero ir morrer na aldeia
Antes que aperte a saudade
E me mate em terra alheia.

(-Mais vale fome em liberdade
Que banquetes na cadeia!)

*

Só há sempre uma despedida
Se o regresso é sempre incerto,
Sempre, nos longes da vida,
Quem ama está sempre perto.

(-E há sempre esperança, escondida,
Nas miragens do deserto!)

Estas cantiguinhas de quadra e meia são da autoria de Manuel Gonçalves, poeta do Baixo Alentejo, já falecido. São objecto de um artigo de João Honrado no seu livro Textos Alentejanos. É suposto que as cantiguinhas de quadra e meia deste autor estejam já publicadas em livro, pela Cooperativa Cultural Alentejana.

terça-feira, 3 de abril de 2012

António Aleixo

O Outro Jogo

Diz ele que não sei ler
Isso que tem? cá na aldeia
Não se arranjam dúzia e meia
Que saiba ler e escrever.

P'ra escolas não há bairrismo.
Não há amor nem dinheiro.
Porquê? porque estão primeiro
O futebol e o ciclismo!

Desporto e pedagogia
Se os juntassem, como irmãos,
Esse conjunto daria,
Verdadeiros cidadãos!
Assim, sem darem as mãos,
O que um faz, outro atrofia.

Da educação desportiva,
Que nos prepara pr'a vida,
fizeram luta renhida
Sem nada de educativa.

E o povo, espectador em altos gritos,
Provoca, gesticula, a direito e torto,
Crendo assim defender seus favoritos
Sem lhe importar saber o que é desporto.

Interessa é ganhar de qualquer maneira.
Enquanto em campo o dever se atropela,
Faz-se outro jogo lá na bilheteira,
Que enche os bolsinhos aos que vivem dela.

Convém manter o Zé bem distraído
Enquanto ele se entrega à diversão,
Não pode ver por quantos é comido
E nem se importa que o comam, ou não.

E assim os ratos vão roendo o queijo
E o Zé, sem ver que é palerma, que é bruto,
De vez em quando solta o seu bocejo,
Sem ter pr'a ceia nem pão, nem conduto.

Loulé, 1978

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Ruy Belo

Na morte de Nicolau

José Maria Nicolau fugiu. Quem o apanha?
Nunca ele pedalou tanto como agora
Decerto vai chegar antes da hora
A etapa era decisiva e está ganha.

Ele que várias vezes deu a volta a Portugal
deu desta vez a volta a quê? Talvez à vida
A alguns anos já da primeira partida
fugiu. Tudo se torna agora mais real.

Que média fez num terreno tão mau
É tudo serra custa muito subi-la
Deixem que eu vista a camisola amarela
ao grande corredor José Maria Nicolau.

domingo, 1 de abril de 2012

sábado, 31 de março de 2012

Maria Pimentel Montenegro

Pedra de Xadrez

Fui pião e cavaleiro
deste jogo de xadrez.
Percorri o tabuleiro
em jeito diagonal
pela mão da fantasia.
Mas surgiu a dama preta
mais o bispo transversal,
e perdi a minha vez.

Já dei cheque-mate ao rei
e desde então até agora
(por meu bem ou por meu mal)
sou torre de pedra branca,
firme, erecta e vertical.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Frei João de Nossa Senhora

No Rossio se faz festa
Na Vitória pregação;
Pouca gente assiste nesta,
Mas naquela multidão.

Três vezes divertimento
Bem se pudera escapar
Tanto rir, tanto folgar
Pode parar em tristeza.

Na doutrina de Maria
Tenha Lisboa certeza,
Que toda a sua alegria
Há-de parar em tristeza.

Frei João, era um frade xabregano, opositor das touradas que se faziam em Lisboa, no Rossio. Estas quadras, disparou-as no decorrer de um ofício religioso na igreja da Vitória, enquanto decorria uma dessas touradas.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Fialho D'Almeida

Dei três voltas ao castelo,
Sem achar por onde entrar,
-Soldadito d'armas brancas,
Vist'lo por aqui passar?

Esse soldado, senhora,
Morto está no areal;
O corpo tem-no na areia,
E a cabeça no juncal...

Três chagas tem no seu corpo,
E todas três são mortais:
Por uma entra o sol,
E por outra entra o luar.

Pela mais pequena delas
Entrava águia real,
Com suas asas abertas,
Sem as ensanguentar.

Três chagas tem o seu corpo,
E todas três são mortais...

quarta-feira, 28 de março de 2012

Agostinho Neto

Havemos de voltar

Às casas, às nossas lavras
às praias, aos nossos campos
havemos de voltar

Às nossas terras
vermelhas do café
brancas do algodão
verdes dos milheirais
havemos de voltar

Às nossas minas de diamantes
ouro, cobre, de petróleo
havemos de voltar

Aos nossos rios, nossos lagos
às montanhas, às florestas
havemos de voltar

À frescura da mulemba
às nossas tradições
aos ritmos e às fogueiras
havemos de voltar

À marimba e ao quissange
ao nosso Carnaval
havemos de voltar

À bela pátria angolana
nossa terra, nossa mãe
havemos de voltar

Havemos de voltar
À angola libertada
Angola independente

Cadeia do Aljube, Outubro de 1960

terça-feira, 27 de março de 2012

Agostinho Neto

Campos verdes

Os campos verdes, longas serras, ternos lagos
estendem-se harmoniosos na terra tranquila
onde os olhos adormecem temores vagos
acesos mornamente sob a dura argila,

seca, como outrora minguou a doce esperança
quente, imperecível como sempre o amor
sacrificada, sangrada na lembrança
do esforço bestial do látego opressor.

Em campos verdes, longas serra, ternos lagos
refulgem ígnias chamas, rubros rugem mares
cintilando de ódio, com sorrisos em mil afagos

São as vozes em coro na impaciência
buscando paz, a vida em cansaços seculares
nos lábios soprando uma palavra: independência!

Cadeia do Aljube, Setembro de 1960

segunda-feira, 26 de março de 2012

Florbela Espanca

Dos beijos que me teste não te importas,
Asas paradas de andorinhas mortas...
Folhas de Outono e correria louca...

Mas inda um dia, em mim, ébrio de cor,
Há-de nascer um roseiral em flor,
Ao sol de Primavera doutra boca!

domingo, 25 de março de 2012

Florbela Espanca

Os meus lábios são brancos como lagos...
Os meus braços são leves como afagos.
Vestiu-os o luar de sedas puras...

Sou chama e neve branca e misteriosa...
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu poeta, o beijo que procuras.

quarta-feira, 21 de março de 2012

João José Cochofel

Primavera

Florinha campestre,
estou a interrogar-te
deitado no chão
bem junto a teu lado.

Que dizem os faunos
por entre as abelhas
e os cucos de Junho?

Precisam dizer
ou basta que passem
para haver primavera?

terça-feira, 20 de março de 2012

Celso Cruzeiro

Fala do soldado fuzileiro

Adeus até ao meu regresso
é assim que me despeço
com a orquídea ensanguentada
latejando no meu peito

Deixa correr tuas lágrimas
que eu levo dentro de mim
muitas penas enxugadas
numa flor de açucena

Ai assim me despedi
mas não sei porque menti
se já não trazia pena
nem a flor de açucena

Que ficara embalsamada
num velho museu de botânica
e em seu lugar se postara
uma orquídea ensanguentada
de raiz ultra vulcânica

Não sei porque disse assim
mentira tão descarada
e escondi mesmo de mim
a orquídia ensanguentada...
regressei mas já não vim
regressei mas não cheguei

sexta-feira, 16 de março de 2012

Joaquim Pessoa

As lobas dão-me o leite do teu peito.
As águias a distância dos teus passos.
As rosas o delírio do teu leito.
As corças a ternura dos teus braços.

Bebo um vinho doirado em tua boca
que é feito de jacintos amarelos.
Dos meus olhos voou a ave louca
que dança em redor dos teus cabelos.

Passando pelos cornos do inverno
as tua mãos serenas e suaves
são duas pombas brancas no inferno.

E eu grito nos terraços ou nas caves
o amor quase brutal e quase terno
que dói como um punhal e tu não sabes.

Em Os Olhos de Isa

domingo, 11 de março de 2012

Bocage

Das faixas infantis despido apenas,
Sentia o sacro fogo arder na mente;
Meu tenro coração ainda inocente
Iam ganhando as plácidas camenas

Faces gentis, angélicas, serenas,
De olhos suaves o volver pungente,
Da ideia me extraiam de repente
Mil simples, maviosas cantilenas.

O tempo me soprou fervor divino,
E as musas me fizeram desgraçado
Desgraçado me fez o Deus-Menino.

A Amor quis esquivar-me, e ao dom sagrado
Mas vendo no meu génio o meu destino,
Que havia de fazer? Cedi ao fado.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Inscrições nas paredes das celas de Caxias

Eu vivo sem alegria
Dentro desta prisão
Acabou-se a liberdade
Estou na solidão.

-

Encerrados nesta prisão
Estão dezenas de operários
Que pediam com razão
Aumento dos seus salários.

Estes poemas foram inscritos nas paredes das celas do forte de Caxias em 1917 (já nessa época, o destino de quem lutava era Caxias!), são transcritos por José Pacheco Pereira no seu livro As lutas operárias contra a carestia de vida em Portugal a greve geral de Novembro de 1918. A este propósito diz JPP:
"Antes da greve geral contra a carestia da vida de Novembro de 1918, duas grandes greves profissionais tiveram lugar em Lisboa: a greve dos operários da construção civil e a greve dos trabalhadores telégrafos-postais, a que se seguem greves gerais de solidariedade. Para além destes movimentos, uma violenta revolta popular tinha-se dado em Maio de l917, dirigida contra as mercearias e os armazéns de viveres, a chamada 'revolução da batata'. Em Lisboa vivia-se nos meios operários e sindicais um verdadeiro ambiente revolucionário, que se reflectia nas paredes do forte de Caxias..."

terça-feira, 6 de março de 2012

Mineiros de Aljustrel

Avante trabalhadores
Preparemo-nos para lutar
Que o sol emancipador
Sobre nós começa a raiar

Vem raiando a bela e nova aurora
Nova hora nós havemos de ir chegando
Marchemos pelo mundo sem demora
Nossos direitos vamos conquistando

Esta é uma canção cantada pelos mineiros de Aljustrel, por ocasião do 1º. de Maio, na década de vinte do século passado.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Valentim Adolfo João

Não tenho vagar, amor
Para te dar atenção
Tenho muito que fazer
Na minha Associação

É meu desejo transformar
Esta pobre sociedade
Que semeia a iniquidade
Para nos escravizar.

Temos muito que lutar,
Com força, audácia e valor
Para extinguirmos a dor,
A miséria e o sofrimento.
E por isso, neste momento,
Não tenho vagar, amor.

O Valentim Adolfo João, operário mineiro em S. Domingos, Bx. Alentejo, tornou-se um símbolo para a sua classe, tal era o seu empenhamento na sua Associação de classe e nas lutas que travam. Estávamos então no início do século XX. Militante anarco-sindicalista, pouco tempo lhe sobrava para a vida familiar e afectiva, de tal forma que a sua amada se queixava da pouca atenção que recebia. Certa vez, foi com o poema acima transcrito que se justificou.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Linhares Barbosa

Numa velha habitação
Vi há pouco um grande drama
Que muito me impressionou.
Abraçados à mãezinha
Choram quatro criancinhas
Pelo pai que não voltou.

Foram prendê-lo de noite
Porque assinara um artigo
No jornal revolucionário
Teve chufas o açoite
Quando foi para o seu calvário
Quando foi para o seu castigo.
Riram à sua passagem
O burguês e o mendigo
Ante aquela humilhação
Sentiu-se mais revoltado
E a caminho da prisão
Pareceu-lhe ir entre judeus
Fora preso e algemado
Mesmo ao pé dos filhos seus
N'uma velha habitação

Ao deixar a santa prole
O empolgante escritor
Teve um abismo de sorvos
Nenúfar lançados aos corvos
Que n'um bando grasnador
Parecem cobrir o sol.
Apóst'lo dum novo escol
Chamaram o anarquista
Toda a gente o acusou
Sem ver que ele insuflou
D'um ideal que inflama
Redenção, o mundo bélico
Pois no lar deste famélico
Vi há pouco um grande drama
Que  muito me impressionou.

Eu tinha entrado a saber
Se havia alguma notícia
Do mártir encarcerado
Mas senti-me emudecer
Que ninho tão torturado
P'la vil obra da polícia!
Lá dentro reinava um misto
De miséria e de carícia
-Informou-me uma vizinha:
Que a mulher do que acusavam
Vendo que o esposo não vinha
Matara-se entre loucuras.
As crianças dormitavam
Talvez sonhando venturas,
Abraçadas à mãezinha.

Havia livros caídos
Mudas vítimas talvez
Da busca policial,
Esse sistema brutal
Eivado de hediondez
Que usam para os perseguidos.
Como todos os traídos
O herói foi p'ra o degredo;
E na carta que enviou,
Um beijo a todos mandou,
Nas asas das andorinhas
Que voam de muito além.
Transmitindo o beijo à mãe
Choram quatro criancinhas
Pelo pai que não voltou.

Linhares Barbosa (1893 - 1965), poeta e jornalista, é autor de cerca de três mil poemas de fado. Foi um dos mais empenhados na defesa e dignificação do fado e dos fadistas.
Situado na área do anarco-sindicalismo, deixou reflectida em muitos dos seus poemas essa sua identificação. Fundou em 1922 uma das publicações mais prestigiadas - Guitarra de Portugal - que dirigiu durante muitos anos, deixando nela a marca da sua personalidade. Aí foram publicados muitos dos seus poemas, entre os quais o Fado do Degredado (acima transcrito), relacionado com as fortes lutas operárias dos anos vinte do século passado,  bom exemplo da sensibilidade social de Barbosa.


quinta-feira, 1 de março de 2012

Sete ondas se noivaram
Ao luar das sete praias
Sete punhais se afiaram
Menina das sete saias

Sete estrelas se apagaram
Sete-que-pena choraias
Sete segredos contaram
Menina das sete saias

Sete bocas se calaram
Com sete beijos beijai-as
Sete mortes evitaram
Menina das sete saias

Sete bruxas se encontraram
No monte das sete olaias
Sete vassouras montaram
Menina das sete saias

Sete faunos contrataram
Sete cornos e zagaias
Aos sete encomendaram
Menina das sete saias

Sete princesas toparam
Com mais sete lindas aias
Por sete e sete deixaram
Menina das sete saias

Sete danças que bailaram
Sete vezes que desmaias
Sete luas te ansiaram
Menina das sete saias

Sete vezes se encantaram
No bosque das sete faias
Sete sonhos desfolharam
Menina das sete saias 

Francisco Viana, recentemente desaparecido ( aos 92 anos) é o autor deste poema, cantado pelos Trovante. Assinale-se que Viana foi letrista de inúmeras canções dos Trovante, nomeadamente no início da sua existência. Aqui presto homenagem a Francisco Viana.

 

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

José Gomes Ferreira

(Bach)

Pálidos de terror de viverem sozinhos na Terra
os homens começaram a construir Deus
com pedras lógicas de música
-que tornou maior a solidão dos céus.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

José Gomes Ferreira

Vá, diz que nunca pisaste uma formiga
sem logo sentir o luto dos remorsos subterrâneos
das cidades em crepes.

Diz que só foste infame em becos pessoais
e nunca manchaste os dedos
na recusa de desfraldar bandeiras.

Vá, convence as pedras, os bichos e as cores
de que sempre emprestaste os olhos
ao incêndio do nascer do dia
-meu triste herói-de-merda mentiroso,
tão feliz de trazer no coração a dor do mundo
(do tamanho do peso de uma flor)

(Fiz hoje cinquenta anos e resolvi auto-elogiar-me nesta ode)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Alexandre Herculano

E a bala sibilando
E o troar da artilharia
E a tuba clamorosa
Que os peitos acendia

E as ameaças torvas
E os gritos de furor
E desses que expiravam
Som cavo de extertor

E as pragas do vencido
Do vancedor o insulto
E a palidez do morto
Nu sangrento insepulto

...

Oh sim maldisse o instante
Em que buscar viera
Por entre as tenpestades
A terra em que nascera

Que é em fraternas lides
Um canto de vitória?
É delirar maldito
É triunfar sem glória

...

Do fratricídio a luva
Irmão a irmã lançara
E o grito: "ai do vencido!"
Nos montes retumbara.

Escritos depois do desembarque no Mindelo, enquanto participante na guerra civil. Não tinham chegado ainda os tempos da sua dedicação ao trabalho dos arquivos.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Á Senhora da Guadalupe

Virgem-Mãe da Guadalupe,
Minha mãe, minha madrinha:
Se meu bem vae ser soldado,
Oh! que desgraça é a minha!

Virgem-Mãe da Guadalupe,
Minha mãe, minha comadre!
'Stá sempre pedindo a Deus
P'ra que o mundo não se acabe!

Virgem-Mãe da Guadalupe
Que está na vossa ladeira!
Quem me dera ver meu bem
De resalva na algibeira!

Virgem-Mãe da Guadalupe
Tem uma fita amarella
Que lhe deram os soldados
Quando vieram da guerra.

Virgem-Mãe da Guadalupe,
Onde tindel-a ermida!
Entre Serpa e o Pchôto, *
N'esses olivaes mettida!

Virgem-Mãe da Guadalupe,
Quer'-lhe pedir uma cousa:
-O meu bem vae ao exame:
Que não traga a rapôsa!

*Denomina-se o Pechôto uma das vastas herdades que nesta villa possue o nobre fidalgo e ilustre homem de lettras, Senhor Conde de Ficalho.

Em A Tradição

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Poema da canção dedicada por Zeca Afonso ao Alfredo Matos


Ao Alfredo Matos
Por trás daquela janela
Por trás daquela janela
Faz anos o meu amigo
E irmão

Não pôs cravos na lapela
Por trás daquela janela
Nem se ouve nenhuma estrela
Por trás daquele portão

Se aquela parede andasse
Se aquela parede andasse
Eu não sei o que faria
Não sei

Se o mundo agora acordasse
Se aquela parede andasse
Se um grito enorme se ouvisse
Duma criança ao nascer

Talvez o tempo corresse
Talvez o tempo corresse
E a tua voz me ajudasse
A cantar

Mais dura a pedra moleira
E a fé, tua companheira
Mais pode a flecha certeira
E os rios que vão pró mar

Por trás daquela janela
Por trás daquela janela
Faz anos o meu amigo
E irmão

Na noite que segue ao dia
Na noite que segue ao dia
O meu amigo lá dorme
De pé
E o seu perfil anuncia
Naquela parede fria
Uma canção de alegria
No vai e vem da maré
Assina: José Afonso