quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Sr. Raimundo, de Ervidel

Arriba Henrique Galvão
És tu o homem do dia
Os portugueses dão-te a mão
No caso do Santa Maria

És um português de raça
Lutas com patriotismo
Enfrentas este fascismo
E sabes o que se passa

Há quem diga por chalaça
Que são passos dados em vão
Mas hás-de ter o brasão
De conseguir a vitória
E vais ficar na história
Arriba Henrique Galvão

Tens ao teu lado direito
O homem mais indicado
É o general Delgado
Muito trabalho tem feito
O povo está satisfeito
Com uma grande alegria
Afirma com garantia
Salazar tem de ceder
E a luta que hás-de vencer
Que és tu o homem do dia

Lutam as diplomacias
Engenheiros e doutores
Lutam os trabalhadores
Contra as altas burguesias

Sofrendo estas tiranias
Debaixo da repressão
Mas és tu o capitão
Que vens içar o estandarte

Junto a esse baluarte
Os portugueses dão-te a mão
Protestam os estudantes
E também os professores

Protestam os agricultores
São uns protestos brilhantes
A popular democracia

Mostra a tua galhardia
Que já foste prisioneiro
Tens Portugal inteiro
No caso Santa Maria.

Está bom de ver que este poema foi escrito há cerca de 50 anos e relata a saga do assalto ao paquete Santa Maria, uma acção comandada pelo Capitão Henrique Galvão, feito que, teve um fortíssimo impacto na população portuguesa, que viu com simpatia esta acção anti-Salazarista. Este acontecimento foi recentemente adaptado ao cinema pelo realizador Francisco Manso.



António Zambujo

domingo, 26 de dezembro de 2010

Poetas populares do Concelho de Moita

Têm vindo a ser publicados neste espaço alguns dos poetas incluídos em Poetas nossos munícipes, editado pela Câmara Municipal da Moita. Terminado este ciclo, vou destacar alguns aspectos que me perecem interessantes, e desde logo um traço quase comum a todos, que é o seu envolvimento na vida associativa local.
Grande parte, são originários de regiões rurais do interior, com destaque para o Alentejo. São, em geral, trabalhadores que cedo se fixaram no concelho de Moita, em busca de trabalho.A Península de Setúbal era atractiva, pois aqui se situavam importantes unidades industriais: a CUF e as Oficinas da CP no Barreiro, a Siderurgia Nacional no Seixal, a Lisnave em Almada, a Setenave em Setúbal, para além de um vastíssimo leque de pequenas e médias empresas de sectores como a metalurgia pesada e ligeira, corticeiro, electrónica, confecções e vestuário e ainda uma construção civil em grande expansão.
Na obra destes poetas é muito vincada a sua identidade de classe, a expressão dos valores da fraternidade, da solidariedade, da liberdade, da justiça social, da defesa da Paz e condenação da guerra. Não surpreende por isso a sua participação activa e militante no Associativismo e, depois do 25 de Abril, nos vários Orgãos do Poder Local Democrático.
A propósito, vale a pena referir a forte tradição, riqueza e diversidade do Movimento Associativismo no concelho de Moita. Com efeito, num inventário relativamente recente foram identificadas 124 Colectividades, Clubes, Associações, Cooperativas, que abarcam todas as áreas da vida em sociedade: Cultura, Desporto, Amizade, Convívio, Solidariedade, Intervenção Cívica. A sua expressão por Freguesia é a seguinte: Alhos Vedros, 35; Baixa da Banheira, 31; Gaio/Rosário, 5; Moita, 34; Sarilhos Pequenos, 6; Vale da Amoreira, 13.
Os seus versos, percebendo-se as sua raízes, as suas origens, são claramente uma poesia popular urbana em que os seus autores, em muitos casos, procuram a inovação para reflectirem a realidade em que estão inseridos.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Martinha Marques Fernandes Fatia

Liberdade

Livre é a águia
Voando sobre a montanha
É o rio correndo
Em direcção ao mar
É o vento
Com a sua força estranha
São os pássaros
No seu inocente chilrear

Todos os seres nascem
Da mesma maneira
Livres com direito
De viver a vida
Um país para amarem
E a sua bandeira
Um sentido de honra
Para não ser esquecida

Gosto pela amizade
Pura e verdadeira
Todos têm mãe
Que lhes deu a vida
Que lhes ensinou
Que o amor é tudo
O que de melhor
Pode haver na vida

Mas tu homem
Que és imperfeito
Destrois e desprezas
Tais sentimentos
Só com a riqueza
Ficas satisfeito
Pouco te importando
Nobres sentimentos

No seu egoísmo
O homem tem feito as diferenças
Nas crenças nas raças
No Norte e no Sul
Porque infelizmente
Ainda há quem pense
Que por ser nobre e rico
Se tem sangue azul

Sangue azul
Porque se é rei e senhor
Deste mundo cheio de injustiças
São blasfémias
De algum ditador
Que à custa do povo
Vive na preguiça

Livre de ser pobre
Não é uma liberdade
É uma situação
Que nos é imposta
Porque quem não trabalha
E vive à vontade
Por quem do melhor
Tem a mesa posta

Esta Mulher beirã, de Pracana Cimeira/Mação, nascida em 1947, reside em Alhos Vedros desde os oito anos. Mulher trabalhadora nas industrias corticeira e das confecções/vestuário.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Manuel Luis de Jesus Beja

Guitarra doce guitarra

Guitarra doce guitarra!...
Companheira da ternura!...
Embala no teu trinar
Minha alma, que a cantar
Chora penas de amargura.
Canto as mágoas do meu peito,
Com a voz que Deus me deu,
Mas meu cantar sem o teu
Não tem sentido nem jeito!

Guitarra!
Oh guitarra dolorida!
Rouxinol do meu encanto,
Numa roseira florida!
Guitarra!
Oh guitarra dolorida!
Minha irmã de meigo pranto,
Poema da minha vida!

Guitarra, doce guitarra!...
Coração de filigrana!
teu ranger suave e quente,
Espalha pelo mundo a semente,
Da saudade lusitana.
Guitarra das noites tristes,
Romance do meu país,
Meu sonho, minha raiz,
Se hoje canto, é porque existes!

Natural da Moita, onde nasceu em 1934, o Manuel Beja teve várias profissões - electricista, desenhador, técnico informático, formador profissional. Foi participante activo do movimento associativo e do Poder Local, integrou um conjunto musical, fez teatro amador e escreveu crónicas em jornais. É autor do livro de poemas Moita do Ribatejo - um olhar sobre o tempo.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Manuel Luis de Jesus Beja

Quadras duras à solta

No mundo da hipocrisia
Há sempre alguma maneira
De um rico ganhar num dia
Mais que um moço pobre , a vida inteira

Quem a moral apregoa,
Mas só a maldade encerra,
É como abutre que voa
Sobre os despojos da guerra!

Temos direitos iguais!
Diz o nobre cavalheiro.
Mas uns trabalham de mais
Outros ficam com o dinheiro!

Prende-se um pobre indigente,
Que tira um pão para comer!
E louva-se certa gente,
Que rouba mesmo a valer!

Se hoje fosse decretado,
Prender todos os ladrões,
Entrava em falência o Estado
Com os gastos nas prisões

Há muitos religiosos
Falando de caridade,
Que me lembram mentirosos,
Jurando falar verdade

Se dizem sermos irmãos
E feitos de igual matéria,
porque razão há cristãos;
Que só conhecem miséria!

Não liguem a este fado
Afinal, estive a brincar
É melhor ficar calado
Senão fazem-me calar

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

José Vicente

Soltas

Como queres tu que eu siga
A tua religião
Se na boca trazes Deus
O Diabo no coração

Tantas promessas já temos
P'ra pôr termo aos nossos ais
Mais promessas já não queremos
São já promessas a mais

Vivo... mas, sem ter vivido
No mundo p'ra se viver
Já tarde compreendi
Que é preciso aprender

Aldrabas e batentes

Setúbal

domingo, 19 de dezembro de 2010

José Vicente

Soltas

Enquanto existir maldade
Enquanto houver avareza
Amor próprio egoísmo
Não há pura liberdade
Não findará a pobreza
Não haverá socialismo

Do ventre d'uma mulher
No final de nove meses
Nasce um ser já construido
É triste ter que dizer:
-Mais valia certas vezes
Certo ser não ter nascido

sábado, 18 de dezembro de 2010

José Vicente

Segundos de vida

Quem veio ao mundo e morreu
No momento de nascido
Foi belo o destino seu
Foi feliz em ter morrido

Foi alguém que existiu
Que o mundo não conheceu
Um ser que ao chegar, partiu
Não fez sofrer nem sofreu

Não viu o mundo tão belo
Tanta beleza que há
Nem conheceu o flagelo
D'uma sociedade má

Foi vela que se apagou
Após se ter acendido
E após se arrecadou
Com tão poucochinho ardido

Aldrabas e batentes

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

José Vicente

Soltas

Com a força da vontade
Com a razão, com o querer
A ânsia da Liberdade
Tem mais força que o poder

Muita gente, tanta gente
Se diz s'tar mentalizada
E mostra constantemente
Mentalidade falhada

Um mundo que causa horror
Com guerras constantemente
Seria um mundo melhor
Se o homem fosse diferente

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

José Vicente

Morreu o ti Zé Vicente
Qualquer dia é voz geral
Já não faz versos à gente
Nem do mundo já diz mal

José Vicente nasceu em 1907 no Barreiro, passando a residir na Baixa da Banheira em 1941. Teve por profissão operário corticeiro mas também pescador, A sua instrução não passou da antiga 3ª. classe. Muito próximo da sua morte escreveu a quadra, acima, que constitui o seu próprio epitáfio.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Joaquim Vicente Vedor Paulino

Poema à Baixa da Banheira

Terra de tantas culturas,
nas horas calmas e duras,
há muita ponderação.
Está sempre tudo à "maneira"
sendo a Baixa da Banheira
terra da minha paixão.

A noite é doce e terna,
oiço cantar na taberna, 
o Alentejo querido,
fico sempre emocionado,
o coração destroçado,
abandonado e esquecido.

Baixa da Banheira é terra,
cujo coração encerra,
e ternura desmedida.
Há pureza no olhar,
há amizade no ar,
nesta terra tão querida.

Tem o seu lado obscuro,
no seu recanto mais escuro,
que conspurca a madrugada.
A droga escondida espreita,
e o povo nem suspeita,
como vive amargurada.

Nas noites quentes de verão,
há motivos e razão,
que nunca sendo demais,
junta grupos de pessoas,
sinceras, puras e boas,
conversando nos poiais.

As ruas são apinhadas,
as conversas variadas,
tal como o trigo na eira.
É uma terra de cultura,
a honestidade perdura,
nesta Baixa da Banheira.

Se eu chegar a ser velhinho,
quero sentir o carinho
e ter o doce prazer,
de um dia sem esperar,
a morte me visitar
e aqui poder morrer.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Joaquim Vicente Vedor Paulino

Sou o que quiseres

Sou um barco, uma gaivota,
Sou mar e algas marinhas.
Sou ninfa, sereia e brisa
e da areia as pedrinhas.

Sou o sal das tuas lágrimas,
o riso no teu olhar,
sou o sol e sou as vagas,
trovoada e temporal.

Sou a noite, sou o dia,
sou também a madrugada.
Sou a tristeza, a alegria,
duma alma amargurada.

Sou o coração destroçado,
que deambula perdido,
o sangue amargo e viscoso,
dum velho corpo esquecido.

Sou a pedra no sapato,
sou a surpresa embrulhada,
sou o grito desesperado,
que atravessa a madrugada.

Sou o pássaro ferido,
sou um corpo a flutuar;
sou uma ilha pequena
perdida no meio do mar.

Sou a arte onde tu tocas
e te toca o coração.
Sou a luz que ilumina,
toda a tua escuridão.

Serei tudo o que tu quiseres,
tudo o que te der prazer,
a força que vem de ti,
é que me ajuda a viver.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Joaquim Vicente Vedor Paulino

Amigo

Amigo.
Em ti utilizo
a palavra na sua verdadeira
acepção,
és muito mais que um amigo,
és um irmão.
És um emaranhado
de virtudes
e qualidades,
adjectivos esses
que são
realidades.
Tens sempre na vida,
um sorriso, um apoio,
uma mão,
que dás gratuitamente,
sem contrapartida
e sem razão.
És puro,
és inocente,
és seguro
e permanebte.
És o amigo
que toda a gente
gostaria de ter,
o amigo que na vida,
ninguém consegue esquecer.

És sincero,
és verdadeiro
e na aflição
o primeiro
quando apoias,
quem precisa,
com tua opinião,
nessa "força" que te vem
de dentro do coração.
És quase uma utopia
e por mais que te observe,
nunca hei-de ver em ti,
maldade ou hipocrisia.
Espero que a vida
me poupe,
nunca me dê o castigo,
de algum dia me roubar
este verdadeiro
amigo.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Joaquim Vicente Vedor Paulino

Quando eu morrer

Quando eu morrer não quero choros,
nem gritos desesperados.
Não quero luto, nem flores,
nem rostos amargurados.

Quero sorrisos bonitos,
gostava de ter enfim,
a famílias e os amigos,
num último adeus para mim

Gostava que alguém lesse, 
algo da minha poesia
e que houvesse no momento
qualquer coisa de magia.

Alguém falasse de mim,
não usando hipocrisia,
pois as pessoas na morte,
recorrem à fantasia

Gostava de ser cremado,
sentir o corpo a arder
e das cinzas da cremação,
ver o espírito renascer.

Gostaria de sentir,
que a vida não foi em vão,
que ao "passar" toquei também,
um ou outro coração.

Toda esta divagação,
não terá razão de ser,
se eu chegar a ser velho,
na altura de morrer.

Aí haverá alívio,
"o melhor aconteceu;
era um velho simpático,
graças a Deus já morreu."

E não haverá poesia,
nem lágrimas, nem sofrer,
um corpo jogado à terra,
para nela apodrecer.

Natural de Ermidas do Sado, onde nasceu em 1956, filho do poeta popular alentejano António Paulino, reside na Baixa da Banheira. É profissional de contabilidade.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Joaquim Vicente Vedor Paulino

Desencanto

Pelas ruas deambulando
vejo pessoas chorando,
por um pedaço de pão.
O povo sofre baixinho,
sempre à espera de um carinho,
que lhe alegre o coração.

Lá em cima no "poder"
ninguém vê o seu sofrer
e nem a sua aflição.
Vivem orgias secretas
e as suas descobertas
na mesa não põem pão.

Vejo olhares desencantados,
passos incertos, desordenados,
que o chão tenta acarinhar.
Alguns, com almas feridas,
põem termo às suas Vidas,
para assim as melhorar.

Tantas promessas falhadas,
tantas frases decoradas,
tantos discursos perdidos.
Nos olhos já não há esperança
e nem sequer a bonança,
dos bons tempos esquecidos.

O povo é manipulado,
dócilmente bajulado,
em tempo de eleições.
Mas as coisas pouco mudam
e as promessas se desnudam,
em consequentes leilões.

Nas suas leviandades,
vendem-se identidades,
assegurando o poder.
Tudo fazem por dinheiro
e este nosso povo ordeiro
que não pára de sofrer.

Talvez um dia, quem sabe,
o nosso tormento acabe
na mais bonita ilusão
e o povo possa acordar,
para assim poder cantar,
uma bonita canção.

(Este poema, editado em 1997, está hoje pleno de actualidade!)

Por do sol visto do terminal ferrofluvial do Barreiro

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Jacinto José Carlos Guerreiro

Vaidade

O cantar alentejano
tem o seu quê de vaidoso
ao juntar na mesma moda
Homem velho e rapaz novo

Homem velho rapaz novo
a cantar de mano a mano
tem o seu quê de vaidoso
o cantar alentejano

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Jacinto José Carlos Guerreiro

Relíquias

Na ex-tasca do Arranha
Uma casinha modesta
Fica a capela do fado
Canta-se o fado com gana
Refúgio de gente honesta
A lembrar tempo passado

Quando a noite se vislumbra
Fica a capela em penumbra
Ao gosto de cantador
E em sestilhas magoadas
Recordam-se antiga quadras
Restos de outros amores

Peixe frito e bacalhau
Um sorriso de mulher
Esta vida é mesmo assim
Vinho a dar com um pau
Regalo para um qualquer
Ouvir cantar o Joaquim

Milhentas recordações
Perfiladas lado a lado
Lembram passado e presente
São elas os guardiões
P'ra que a capela do fado
Seja fado p'ra toda a gente

Aldrabas e batentes

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Jacinto José Carlos Guerreiro

Negrume

Vestiu-se de pássaro negro
E chegou junto aos pombais
Levou o Victor Ventura, o velho Brito
E outros mais...

Há quem lhe chame Mãe Negra
Mas de um negro que só lembra
Noite treva e escuridão
Se é mãe, é mãe de desgraça
Pois sempre que ela passa
Semeia desolação

Ó morte! maldita morte!
Se tu pensas conseguir
Destruir tanta amizade
Não te auguro qualquer sorte
Porque os pombos ao voar
Trazem e levam saudade.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Jacinto José Carlos Guerreiro

Distracção

Uma rã
Muito lampeira
Diz p'ra um sapo vaidoso
Arranja-me lá maneira
De ter um futuro airoso

Apanhado de surpresa
Pobre sapo presunçoso
Diz com alguma incerteza
Que o futuro está manhoso

E, enquanto o mundo acordava
Pelo raiar da manhã
Uma cobra que passava
Come o sapo e papa a rã

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Jacinto José Carlos Guerreiro

Guinéus

Mamadu Baldé
Mamadu Jaló
Um é filho de mãe fula
Outro de pai bijagó

Mamadu que foi à guerra
Lá na terra da Guiné
Com um outro Mamadu
Que era filho de papel

Mamadu comeu Bianda
E dormiu junto ao Mansôa
Namorou filha de Tander
E sonhou vir a Lisboa

Mas num caminho apertado
Mamadu tem de passar
Barafusta vai zangado
Não vê fio de tropeçar

Nota: fula, bijagó e papel, são três das muitas etnias da Guiné

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Fado Vadio

Jacinto José Carlos Guerreiro

Sem Palavras

Olhai aquele menino
Remexendo o dia inteiro
Na lixeira da cidade
Resignado a vil destino
Traz p'la mão o companheiro
Um irmão de tenra idade

Para aqui e para acolá
E apanha do negro chão
Restos do que alguém comeu
Lembra-se da mãe que está
Dentro de um negro caixão
E o pai nunca o conheceu

Toca o sino, é Natal
Chega a hora do sermão
Trocam-se prendas e gestos
Mas, dentro do mundo real
Existem milhões de irmãos
Esperando por alguns restos

domingo, 28 de novembro de 2010

Jacinto José Carlos Guerreiro

Quadras ao verso

Na linguagem popular
o verso é por excelência
certa forma de falar
com verdade e com decência

Bate duro se é preciso
ternurento no amor
é profundo é conciso
provoca frio e calor

Tantas vezes perseguido
por gente de cariz diferente
o nosso verso conseguido
sai sempre dentro da gente

Mas, depois de tanto passar
nos caminhos da vivência
em linguagem popular
é senhor por excelência


O Jacinto Guerreiro (Metalúrgico de corpo  e tempo inteiro mas de:/Metal não vil/E duro aço/De partos mil/E algum cansaço/Do resto das coisas sei que fiz, mas já não me lembro quando.) é natural de Aivados, distrito de Beja, onde nasceu em 1949, mas reside na Baixa da Banheira desde tenra idade. Sempre tem estado envolvido na vida associativa banheirense e deu já o seu contributo como eleito do Poder Local.

sábado, 27 de novembro de 2010

Jacinto José Carlos Guerreiro

Diferenças

Diferente é o preto o branco o vermelho
É aquele menino que não vai à escola
Diferente é o conceito com que o escaravelho
Rebola feliz de merda uma bola

Diferente é o sal e o sonso
E é toda a gente que não verga a servil
Diferente é o poente e as cantigas de Afonso
Os versos e a prosa de Alexandre O'Neil

Diferente é o homem que ama a verdade
E em poucas palavras diz tudo o que sente
Diferente é falar com sinceridade
E no passeio dos tristes saber ser diferente

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Isidoro Matias

(Auto-Biografia)

Não sei onde irei parar
Como é triste o meu passado
Levei a vida a lutar
Sinto-me velho cansado

Nasci com pouca sorte
Destino tão malfadado
Caminho acidentado
Valendo apenas meu porte
Rondou por mim a morte
Que só me quis dominar
Tudo fazendo p'ra me levar
Sem o menor sentimento
Não sei onde irei parar

Minha vida atormentada
Não tinha qualquer sentido
Sentia-me até perdido
Julgando nunca ser nada
Como a vida é recheada
De sofrimento, desagrado
Por vezes abandonado
Farto sim, de só sofrer
Que hoje só resta dizer
Como é triste o meu passado
Como é triste o meu passado

Vivi sempre na pobreza
Nos tempos da mocidade
Não me deixando saudade
Essa vida de incerteza
Porque a própria natureza
Minha inimiga sem par
Tanto me fez penar
Com suas fantasias
Que para ter melhores dias
Levei a vida a lutar

Já dei o que tinha a dar
Do meu corpo, minha alma
Tudo fazendo com calma
Enquanto por cá andar
Porque não queria abalar
Sem que ficasse vincado
O quanto fui dedicado
Ao dom da natureza
Que me deu esta incerteza
Sinto-me velho e cansado
Sinto-me velho e cansado

Isidoro Matias, natural de Santiago do Cacém, nasceu em 1921. Por razões de trabalho, fixou-se na Baixa da Banheira em 1942, onde constituiu família.Foi trabalhador da construção civil, da construção naval, operário da CUF e operário corticeiro.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Isidoro Matias

Duas meninas

Tenho duas meninas,
São razão do meu viver
Mesmo sendo traquinas,
Eu não as quero perder

Sem elas nada sou
Sendo sim um amigo
P'ra qualquer lado que vou,
Elas vão sempre comigo

São meus dois amores,
Eu amo qualquer delas
São duas lindas flores,
Não sei viver sem elas.

Guiam meu sentido,
São fortes nossos laços
Guiam meu pensamento,
Até mesmo meus passos

Não usam por "condão"
Vestir, com ou sem folhos
Pois essas meninas
As meninas dos meus olhos.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

24 de Novembro - Greve Geral!


Hoje vou fazer um parênteses. Foi dia de Greve Geral, convocada contra os PEC's que vieram agravar ainda mais as condições de vida dos portugueses, que estão a ser obrigados a pagar uma crise provocada pelas elites, pela ganância do lucro e pelas desastradas políticas, em suma, provocada por aqueles que são cada vez mais ricos e vivem na opulência.
Mais de 3 milhões de trabalhadores fizeram a Greve Geral, contra o roubo dos salários, a retirada de prestações sociais (abono de família), a degradação do Serviço Nacional  de Saúde (e aumentos brutais do preço dos medicamentos), do Ensino, etc, o congelamento de pensões e o aumento de impostos. Enquanto impõem tantos sacrifícios ao povo, aos que menos têm, mantêm e aprofundam as desigualdades gritantes, com a continuação de lucros de centenas de milhões, nomeadamente nos Bancos, e com uns quantos a auferirem ordenados, prémios e pensões milionários.
A Greve Geral valeu a pena - quem luta pode não ganhar no imediato, mas quem não luta perde sempre!

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Albertina Ribeiro dos Santos

Foi um sonho, ou um grito da minha alma?

Tive um sonho certo dia
Que bom fosse verdade
Mas foi pura fantasia
P'ra mal da humanidade!

Em todo o mundo findara a guerra
Todos dispunham do seu destino
Dançava-se em toda a terra
E cantava-se o mesmo hino!

Todos s'abravam num abraço profundo
E gritavam alegremente! Há paz em todo o mundo!
Ó! que alegria esta notícia nos trás!

Acabai senhores com tanta barbaridade!!
Para que este meu sonho seja realidade!
Amor, em vez de guerra, queremos viver em paz!

Albertina Santos, reformada, ex técnica de análises clínicas dos Hospitais Civis de Lisboa,  nasceu em 1924 e reside em Alhos Vedros, Moita.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Fernando Manuel dos Santos Silva

À Natividade

Teus olhos tristes teu rosto alegre
Teu corpo esguio coberto de amor
Sofreu eu sei, mas a vida é febre
Que sobe e desce e nasce a dor

Os anos passam o tempo é mestre
Os olhos rasos de lágrimas agrestes
O teu cabelo sedoso frio do tempo
Que nos traz alegria e o cruel momento

Sei lá o que penso, não posso acreditar
O que virá um dia, não quero pensar
E como o fumo disperso no ar
Não é tarde nem é cedo, resta esperar.

O Fernando Silva é natural da Gafanha da Nazaré, tendo-se fixado na Baixa da Banheira, após regressar da guerra colonial. Integrou-se na vida local, nomeadamente no Movimento Associativo, que nesta terra sempre foi pujante e diversificado.

domingo, 21 de novembro de 2010

Centenário da República

Limpar o que não sujei
É pedido original
A atender eu não sei
Assim, limitar-me-ei
A deixar este local
Tal como, ao entrar, o achei

Alvores da República! Estava-se no ano de 1908. Este exemplo, enquadrava-se na regulamentação da actividade hoteleira, era destinado a afixação nas casas de banho dos hotéis. Que, na época, em todo o país se podiam contar pelos dedos e sobravam dedos... Todavia, já se desenvolviam esforços para desenvolver esta actividade, fomentando o gosto por viajar, apesar da inexistência de infra-estruturas - não havia estradas de jeito, o caminho de ferro não chegava a todo o lado (e hoje, cada vez chega a menos lados!). Ainda antes da implantação da República, foi criada a SPP - Sociedade da Propaganda de Portugal, e em 1911 é criada a Repartição do Turismo. O papel destas duas entidades era não só o desenvolvimento da indústria do turismo, mas também estimular os hábitos higiénicos da população.

Isto que acabo de referir, decorre de hoje ter dedicado a tarde a visitar duas exposições dedicadas ao Centenário da República. E não dei o tempo por mal empregado.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

José Casimiro Tavares

Bem prega Frei Tomás

No café, rua ou viela,
censura-se esta e aquela
por terem muitos amores;
mas... nós homens, quando calha,
também temos nossas falhas, também somos pecadores...

Quando passa uma morena
bonita, que valha a pena
contemplar seus finos traços,
sentimos no coração
uma enorme ambição
de apertá-la em nossos braços!...

Mesmo que seja uma loira
'spampanante, logo estoira
em nós onda de desejos:
e ao vê-la assim tão bela,
doidos olhamos p'ra ela,
q'rendo cobri-la de beijos!...

P'lo que eu contei, p'lo que disse,
decerto não é tolice
o que aqui vou perguntar:
Para quê pregar moral,
se nós todos afinal
'stamos prontos a pecar?...

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

José Casimiro Tavares

Eu e o Fado

Amo o fado, e não disfarço
este amor, este meu q'rer:
por cada fado que faço
mais me apetece escrever!

Sei bem que não tenho voz,
que ao cantar não satisfaço;
no entanto, aqui p'ra nós,
Amo o fado, e não disfarço.

Minha voz não enternece
- o que é fácil d'entender;
mas toda a gente conhece
Este amor, este meu q'rer

Amigos, atenção tomem
(pois penso que não vos maço):
até me sinto mais jovem,
Por cada fado que faço...

Sei que as pessoas aguardam
os meus fados com prazer
Se as minhas letras agradam,
Mais me apetece escrever!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

José Casimiro Tavares

Eu e a Moita
(musicado por Ismael Ferreira Rocha)

Eu vou cantar afinal
a todos que estão aqui:
Sou de Sines natural
pois foi lá onde eu nasci

Mas muito nova cheguei
a esta Moita, é de ver:
Foi aqui que me criei
nela me tornei mulher.

Coro: A Moita é linda,
          linda linda, de verdade;
          que um dia chegue a cidade,
          é nossa grande ambição.
          A Moita é linda, e o meu desejo
          é dar-lhe enfim longo beijo
          do fundo do coração!

Esta Moita, que é tão boa,
decerto não tem igual,
fica em frente de Lisboa,
que é a nossa capital

Em Setembro - que loucura!
Sua festa é de espantar:
Toda a gente aqui procura
cantar, dançar e... rezar!

Tive o privilégio de conhecer o José Casimiro - participamos em várias reuniões, nomeadamente, naquela em que foi escolhido para encabeçar a lista, em que seria eleito Presidente da Junta de Freguesia de Moita, nas primeiras eleições autárquicas após o 25 de Abril. Era um homem solidário e fraterno. Faleceu em 1990 com 72 anos. Barbeiro de profissão, era, para além de poeta, músico autodidacta e, por isso, muita da sua poesia foi e continua a ser cantada por fadistas. Em "A minha mocidade", poema profundamente autobiográfico, conta-nos a sua atribulada infância.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

José Casimiro Tavares

A Minha Mocidade
(fado Laranjeiras, Alexandrino)

A minha mocidade, inda me lembro bem
do muito que passei, daquilo que sofri:
aos quatro anos d'idade eu perdi minha mãe,
um bem que não tem par - devo dizê-lo aqui

Meu pai deixou-me logo entregue a meus avós,
aos pais da minha mãe, bastante pobrezinhos.
com outra se casou; e, algum tempo após,
nunca mais me prestou conforto e carinhos.

A passo co'a miséria, eu tive de crescer,
sentindo bem na carne o que era sofrimento:
andei ao "trapo", ao "osso", à "gandaia", é de ver,
p'ra não morrer de fome, esse grande tormento.

Enquanto me faltava o que era necessário,
os outros meus irmãos, porém de pai, somente,
tinham tudo a fartar no seu viver diário,
e eu - pobre de mim! tornado um indigente.

Hoje, velhote já, desejo recordar
meus defuntos avós, tão queridos coitadinhos:
por mim passaram mal, grande foi seu penar,
mas tinham p'ra me dar seus beijos e carinhos...

Poetas Nossos Munícipes, é uma colectânea de poesia de quarenta autores, naturais e ou residentes no Concelho de Moita. Obra que, embora apresentada como "recolha de poemas dos nossos poetas populares", reúne autores de vários estilos e sensibilidades. Vamos divulgar aqui alguns desses poetas, tendo começado com o Adriano Encarnação.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Adriano Manuel Soares da Encarnação

O cozinheiro

Põe a panela
no fogão
as batatas
o feijão
Agora um pouco de sal
tudo com bom
paladar
que o cliente
é exigente

Na fábrica já é diferente
é comer
p'ra muita gente
aí os pratos são vários
é comer
p'ra mil operários
que como ele a trabalhar
precisam de almoçar

E o mestre cozinheiro
em grandes panelões
vai fazendo
as refeições
alagado em suor
do calor
dos seus fogões


Conheci o Adriano e a Irene em 1974. Desconhecia a sua faceta de poeta. Foi uma agradável surpresa deparar com ele em Poetas nossos munícipes, uma edição da Câmara Municipal da Moita.
Alentejano, de Viana do Alentejo, onde nasceu em 1949, e bancário de profissão, é um banheirense civicamente empenhado. É um activista do Movimento Associativo local. É cultor de várias artes, para além da poesia, intervêm na música, na pintura, na gravura e na escultura.

domingo, 14 de novembro de 2010

Adriano Manuel Soares da Encarnação

A excelência

Digníssima excelência
Mas que pessoa
tão fina
e que lindo par
que faz
com a ave de rapina

E o senhor
concerteza
que tem muito
em que pensar
como vai ganhar dinheiro
sem ter que trabalhar

O ferreiro a trabalhar
e o senhor a passear
trabalha a mulher a dias
e a senhora nas folias

como nada querem fazer
vamos pô-los a mexer

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

"Crónica dos nossos dias"

Sócrates com sua tia
Contra conquistas da revolução
Todos vêem e ele não via
O Coelho mete a mão

1º. ministro enxovalhado
Ninguém inventa maldades
Este "inocente" malvado
Faz das mentiras verdades

Geração de rapazinhos
Da geração do passado
Erguem o seu focinho
Com patronato apoiado

Pedro passos é coelho
Espreita na sua toca
Vai vendo no seu espelho
Afinando a sua moca

Direita e alternativa
Mais do mesmo para prosseguir
Com a sua comitiva
Fazem contas estão se a rir

Se não fossem os sindicalistas
Estávamos mais atrasados
Os direitos progressistas
Eles já tinham acabado

Democracia onde é que estás
Com tua justiça social
Com a política de direita levarás
Para o fundo o nosso Portugal

Empresas que dão lucros
Devem ficar no Estado
Da revolução são frutos
Não pode ser acabado

Enganando Portugal inteiro
Com tanta precariedade
Camarada, companheiro
Onde está a igualdade?

Os políticos que governaram
Devem ser excluídos
Com provas eles já falharam
Vem mudar noutros sentidos

Na vida há direitos
Que outros querem roubar
Ficaremos nestes guetos
Não podemos descuidar

Levemos o país para a frente
Com programa constitucional
Com o povo e nossa gente
Vamos mudar Portugal

Este poema, de autor não identificado, tem a data de 29/09/2010, está impresso num folheto A4 e, tudo o indica, foi distribuído pelo autor, à boa maneira antiga.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Parideira, de autor desconhecido

Nas abas de tanta vida,
a parideira se abriu.
Em tantos cais de partida,
Que tantas vidas descobriu.

Nesta quadra a parideira referida, é um assento, cuja função era, uma vez nela sentada a mulher à beira de parir, facilitar o acto de dar à luz. Esta prática é dos tempos em que se nascia em casa, com a ajuda de uma curiosa, uma "comadre".

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Aldrabas e batentes

Arnaldo Malho

O ferro é a minha vida,
Do nosso ser já faz parte;
Do ferro se fazem jóias
Se forem feitas com arte

Se tivesse duas vidas,
Voltaria a ser ferreiro,
Para dar vida ao ferro
Mais por gosto que dinheiro

Arnaldo Malho, o poeta ferreiro, nasceu em Viseu no ano de 1880 e faleceu em 1960. Como nas duas quadras se antevê, era ferreiro de profissão. Um refinado artista na arte de trabalhar o ferro, tendo chegado a mestre na Escola Industrial de Viseu.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Idalia Maria Costa Amaro

Em criança fui feliz
Cheia de sonhos e magia
Via tudo cor de rosa
No meio da fantasia.

E para fazer milagres
De ser fada eu gostava
Como nos contos tão belos
Que minha mãe me contava.

Sonhava viver num castelo
Vestida de seda e arminhos
E possuir muito dinheiro
Para dar aos pobrezinhos.

Tinha pena dos velhinhos
Com fome e a tiritar
Era sempre a fada boa
Que os ia consolar.

E via as criancinhas
Estenderem-me os bracinhos
Eu chamava-os para mim
E enchias-os de carinho.

E é agora que eu sei
Como é dura a realidade
Os sonhos que eu sonhei
Estão muito longe da verdade.

sábado, 6 de novembro de 2010

Idália Maria Costa Amaro

Quadras soltas

Eu dou a vida à poesia
E ela me faz viver
Eu sem ela não vivia
Ela m'obriga a escrever.

Meu coração vai ditando
Tudo o que a caneta escreve
As tristezas vão passando
Coração ficas mais leve.

Se há momentos d'alegria
Ainda há mais inspiração
P'ra escrever a poesia
Que trago no coração.

É pobre, não tem valor
Esta minha poesia
Mas é feita com amor
E dá-me muita alegria.

E quando a ouço ler
Na doce vózinha da Guida
É magia podem crer
Há poesia na vida.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Idália Maria Costa Amaro

O Carnaval

Carnaval dos bailaricos
Folgazão e engraçado
Porque vens todos os anos
Se no fim és sepultado.

Trazes máscaras de mil cores
Imitas bichos e humanos
Porque vens tão divertido
Se morres todos os anos?

És um dia desejado
Por toda a rapaziada
Ouve-se o rebentar das bombas
Ao raiar a madrugada.

Dos outros dias diferente
És malandro e atrevido
Fazes e dizes coisas
Que nos outros é proibido.

Pulas saltas folgazão
Dizes gracinhas brejeiras
E não fazem distinção
As casadas das solteiras.

Mas se eu não me engano
Como isto vai a andar
Passamos todo o ano
Ao Carnaval a brincar.

A D. Idália, reuniu no livro O Meu Alentejo, edição da autora, alguma da sua poesia anteriormente divulgada em jornais e rádios locais. Dela, apenas sei que nasceu em Messejana e foi residir em Panoias, que, por isso, é a sua segunda terra.

Aldrabas e batentes


E na falta do batente original (que servia tb de puxador), eis como um morador de Setúbal - Av. Luisa Todi - resolveu a situação: Uns pedaços de corda entrançados, e está no lugar do batente um puxador original!

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Idália Maria Costa Amaro

Esta vila onde eu moro
É antiga e pobrezinha
Mesmo assim eu a adoro
Tenho cá minha casinha

Só há casas pequeninas
Palácios ricos não tem
Mas estão muito branquinhas
Até ao longe ficam bem

E a minha casa que fica
Aqui no largo do terreiro
Onde há uma igreja bonita
São Pedro é o padroeiro

Tem muitas árvores verdinhas
Que nos dão sombra e abrigo
Um parque p'ras criancinhas
E o clube desportivo

Tem um fontanário a meio
E muita relva em canteiro
E também tem o correio
Aqui no largo do Terreiro

Também tem campo da bola
No concelho não há igual
E uma bonita escola
Com três salas a funcionar

Tem Casa do Povo e salão
P'ros novos se divertir
Cafés e supermercado
E um lindo pronto a vestir

Tem um posto de saúde
Com uma equipe muito unida
Com médico e enfermeira
E funcionária administrativa.

Ora aqui está uma crónica que descreve, quase ao pormenor, a Vila de Panoias!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Aldrabas e batentes

Como pode ver-se, esta peça foi sujeita às mesmas pinturas que foram aplicadas na porta, aliás está tudo numa plena degradação, o que é uma pena!

Zé Serra, de Messejana

Eu não sei que lei é esta
Que inventou o Salazar
Uns ganham dinheiro cantando
Eu fui preso por cantar.

O Ti Zé Serra é identificado como camponês que só raramente se deslocava à vila, mas quando o fazia, a visita durava vários dias, enquanto o dinheiro durasse e de bebedeira permanente. Esta quadra foi cantada após ser resgatado por um amigo, do posto da GNR, para onde foi levado, tudo o indica, dada a chinfrineira do seu cantar... Ou talvez porque esses eram os tempos do Salazar...
Pelos vistos o álcool não o privava de utilizar as palavras com arte. Vejamos mais quadras que lhe são atribuídas:

Amigos de copos de vinho
Só duram enquanto há dinheiro
Meu amigo é o Ernestinho
Que me abriga no palheiro.

Aos domingos na taberna
Tenho amigos de sobejo
Em se acabando o dinheiro
Vou olhar já não os vejo.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A propósito dos comeres de Messejana

Baldoregas são sadias
Eu por mim não gosto delas
Em vendo moças bonitas
Não me posso apartar delas.

Quem  diz baldoregas, refere-se às beldroegas. Eu, habitualmente tb as nomeio por baldoregas, e ao contrário do autor da quadra (desconhecido) gosto bastante de sopa feita com elas.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

domingo, 31 de outubro de 2010

Aldrabas e batentes

Cante ao despique

Messejana n'algum dia
tiveste bons cantadores
e no despique cantavam
sempre com muita alegria
tiveste bons cantadores
Messejana n'algum dia.

Quem me dera ouvir cantar
como se ouvia algum dia
os cantadores de despique
belos serões alegrar
como se ouvia algum dia
quem me dera ouvir cantar.
 ...

Tudo o que há nesta vida
um dia tem de morrer
nã vale a pena andares
assim tão iludida
tudo o que há nesta vida

É triste um homem andar
a trabalhar para aquecer
trabalhar de sol a sol
e não ter dinheiro para gastar
a trabalhar para aquecer
é triste um homem andar.

Messejana de algum dia
eras bonita a valer
mas com o correr do tempo
perdeste a fidalguia
eras bonita a valer
Messejana de algum dia.
 ...

Desta vida de tristeza
eu já não espero nada
vejo chegando o meu fim
disso tenho a certeza
eu já não espero nada
desta vida de tristeza.

nunca vivi desafogado
e a vida não me deu nada
cheguei ao fim da jornada
estou já velho e cansado
a vida não me deu nada
nunca vivi desafogado.

Segundo Mª. Vitória de Brito Ruas, "apareciam na venda (...) desafiavam-se uns aos outros para cantar (...) um cantador lançava ao ar uma quadra, que podia ser sobre o tempo, as lavouras, outros trabalhos do campo, ou entrando a meter-se nalguns podres da vida de alguém do grupo, ou de qualquer ocorrência".
"Lançada ao ar essa quadra, o cantador seguinte cantava (...) concordava ou não com o primeiro (...) por isso se chama despique".
"Antes de começar o cante escolhiam o ponto, que era a última sílaba do segundo verso da quadra (...) poucos cantadores aguentavam muito tempo a cantar; faltavam-lhe as palavras (...) quando algum cantador repetia a palavra do ponto que já havia sido usada por outro cantador, diz-se que pisava o ponto e era por isso penalizado. A pena consistia em pagar uma rodada de copos".
"Na quadra de despique há o dobre, isto é, o primeiro verso é o que termina a estrofe; depois tem a rima abraçada que são os dois versos soltos, entre o primeiro e o quarto, que não rimam, e o último da quadra que rima com o primeiro".

sábado, 30 de outubro de 2010

Do cante alentejano, do bailarico, do mastro, do S. João

A treze do mês de Junho
Santo António se promove
S. João em vinte e quatro
E o S. Pedro a vinte e nove..
 ...
Aperta-me a minha mão
té que eu diga deixa amor
Quem mais aperta mais quer
Quem mais quer não sente dor.

Eu não sei que sinto amor
Quando chegas a meu par
Sinto dentro do meu pêto
Um coração palpitar.
...

Maria da Rocha
Da Rocha rochedo
Quem namora a Rocha
Não deve ter medo!

Não deve ter medo
E medo não tem
Maria da Rocha
Da Rocha, meu bem.

Aldrabas e batentes

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Do Cante alentejano

Eu aprendi a cantar
lavrando a terra molhada
lá na solidão dos campos
pensando em ti minha amada.

...

Minha terra verde malva
nas primaveras floridas
um sonho quente de verão
nas campinas ressequidas.

..

Montes na planície a alvejar
são contas dum rosário de saudades
fontes de silêncio a escutar
o cante dos ceifeiros nas herdades.

...

Minha campina amarela
da cor do vento suão
onde crescem ilusões
de misturar com o pão.

Alentejo não tem sombra
senão a que vem do céu
abrigue-se aqui menina
debaixo do meu chapéu.

E a criatividade do cantor permitia-lhe fazer a sua própria composição, servindo-se do fundamental da quadra, adaptava-a à sua linguagem:

O Alentejo não tem sombra
senão a que vem do céu
assenta-te aqui amori
à sombra do mê chapéu.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Aldrabas e batentes

Joaquim da Costa Velhinho

Ainda do Velhinho, publico o seu poema Pragasina.
Versa sobre o seu amor por uma mulher, que o trocou por outro. Para vingar-se compôs este poema, que é como quem diz, rogou-lhe uma praga!

Os céus que faltem, oh! ingrata,
Que nada tenhas que mandes (?!)
Que dentro dum cesto andes // Entrevada!

E à borda de uma estrada
Te ponham em padiola
Pedindo esmola // A quem passar!

E quem para ti olhar
De te ver tenha vergonha,
E que a mesma peçonha // De ti fuja!

Vida tenhas de corucha!*
Do morcego a liberdade
Vivendo na escuridade // Pois é falsa!

Antes despida e descalça!
Que de te ver fuja a gente!
Que nem d'amigo nem parente // Te socorras!

E assim como Judas morras
Enforcada!

*Suponho que esta palavra queira dizer: coruja.

Resta dizer que continuo a ter como fonte, os Cadernos Culturais de Messejana.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Joaquim da Costa Velhinho

Isto de cantar é arte
Que Deus deu às criaturas
Quem não sabe tactêa
Como se estivesse às escuras.
 ...

O diabo te leve arado
E mais a mão que te fez!
Mais de cento e uma vez
Já te tenho excomungado!
Um homem com um machado,
Ahi de qualquer chamiço
Faz um arado inteiriço
Para um boi e p'ra uma vaca!...
Não lhe bonda andar d' estaca
E ainda é engasgadiço!...

Velhinho, de Messejana, era ganhão, morreu cerca de 1870. Sabia ler e mal escrever, mas era um bom fazedor de poesia.
O despique era uma tradição muito viva e praticado com frequência, mobilizando os poetas e cantadores dos mais recônditos lugares.
As  décimas que se seguem são disso um exemplo, em que Velhinho se confronta com o poeta Pôtra - Braz Martins Beirão, pastor, analfabeto, da vila de Cuba, que a Messejana se deslocou para despicar...

Fala o Velhinho:

Tenho casas assombradas
E de marfim são as telhas.
De bois tenho cem parelhas,
De éguas oitenta manadas,
E mil vacas afilhadas
Com uma linda criação,
Sou forte como Sansão
P'ra vencer toda a Turquia,
E tenho mais sabedoria
Do que teve Salomão.

Ao que Pôtra responde prontamente:

Dessa tua abonação
Muito me farto de rir!
Eu sempre semeei em Abril
Quatrocentos moios de pão -
-Não falando do temporão
Que foram eles dobrados!
Tenho oitenta mil cruzados
E herdades noventa mil!
Já é meu todo o Brazil!
Tenho em Hespanha cem morgados!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sofia, de Messejana

Amôr é candeia acêsa
No peito de quem o tem,
É vontade de estar presa
Entre os braços do seu bem.

Amôr é gado na fôrra
De vontade encurralado,
É mocidade na bôrra
Desarmado do cuidado.

Amôr é sonho florido
Vai no vento como o fumo,
Rapariga sem marido
Perde na vida seu rumo.

Amor é fogueira ardendo
Dentro de nós sem se ver,
É cancro que vai comendo
Devagar, até morrer.

É uma ribeira corrente
De pedra em pedra a saltar
Murmulhando docemente
Vai-se, perder-se no mar.

É uma vela sempre a arder,
É mal que bem se acata,
Queima e não nos faz doer,
É nó que a morte desata.

O amor é sempre int'resseiro
E por vezes criminoso
Nem até um verdadeiro
Faz qualquer ente ditoso.

Nota: transcrição tal como publicado nos Cadernos Culturais (nº.IV) de Messejana.
Sofia dos Remédios Passanha de Morais Afonso Romano, cuja data de nascimento desconheço, faleceu no ano de 1897.

domingo, 24 de outubro de 2010

Rafael Augusto Rodrigues

O Rafael, convidado para participar num debate sobre democracia e justiça social, recentemente realizado, resolveu participar assim:

Depois de ter sido convidado, cá estou presente
Como vai sendo habitual
Para falar, de tanta ruim gente
Que ainda existe em Portugal.

São tantos a mentir
Qual deles o maior mentiroso
Para me poderem impingir
Por me verem já IDOSO.

Contando pelos dedos, já cá cantam 87
Só que os dedos da mão, não são iguais
Ao ter conhecimento, do que se promete
É ver qual deles rouba mais.

Gosto muito de ler, escrever e ver televisão
Sendo a forma de me entreter
Ficando gravado no meu coração
O que muitos, não se cansam de prometer.

De eu tanto ter reclamado
Verifico que nada resulta
Porque na imprensa só é publicado
O que diz respeito à FACE OCULTA...

Pantomineiros, vigaristas e mafiosos
Com as suas típicas maneiras de falar
Tentando sempre enganar, alguns idosos
É um nunca mais acabar.

Alguns julgam-se com muita cultura
Mas só o que sabem é fazer mal
No que vou tendo conhecimento pela leitura
Todos os dias em tanto jornal.

De assim eu escrever, peço desculpa
Porque o que escrevo é só a verdade
Mas se me considerarem alguma culpa
Só poderá ser atribuída, à minha idade.

De eu só assim, saber escrever
Será talvez, uma minha "mania"
Para depois, quem a puder ler
Apreciar, a minha modesta poesia.

"Aviso aos nossos governantes"
Daqui lhes lanço esta aviso
Lembrem-se de praticar o bem
VEJAM SE TEM JUIZO
Porque vocês morrem também.

sábado, 23 de outubro de 2010

Vista parcial de Messejana

O meu amor é um cravo
E eu sou rosa que o mereço
Já mo quiseram comprar
Cravo de amor não tem preço

Estás longe da minha vista
Mas do meu sentido não
Teu retrato trago sempre
Na minha imaginação

Algum dia me dizias
Que eras minha saudade
Agora em tão pouco tempo
Me perdeste a amizade

É tão triste ver partir
Um amor de quem gostamos
Ver na distância sumir
Sem saber quando avistamos.

...

Tenho um jardim mal tratado
Só existe uma flor
Diz-me amiga Catarina
Onde existe o meu amor

Querida amiga não chores
Por um bem que se ausentou
Quem se ausentou logo volta
Que eu nessas esperanças estou.

...

Ó vila de Messejana
Cercada de cravos brancos
Onde meu amor passeia
Domingos e dias santos

Vou andando e vou chorando
Regando os pés às flores
Ai de mim que estou amando
Quem já tem outros amores

Tenho a vista enfraquecida
É talvez de muito ler
No livro negro da vida
Sem nunca o compreender.

Estes são versos de cantigas de trabalho, mas também dos bailes e serões familiares ou de amigos, da região de Messejana, recolhidos por Maria Vitória de Brito Ruas.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Na cultura popular portuguesa, a rima está também muito associada à crendice no poder curativo de rezas, benzeduras e mezinhas. E, ainda hoje é vulgar recorrer-se à benzedura, entre outras coisas, contra o mau olhado. E que dizer do recurso a uma boa bruxaria, para travar o "relacionamento" de um marido com a "outra"... Em verso sempre será mais apelativo, mais convincente!
Apresento, a seguir, alguns exemplos recolhidos por jovens estudantes da região de Arraiolos, Alto Alentejo:

Reza para acabar a trovoada

Santa Bárbara bem dita
Que no céu está escrita
E na terra assinalada
Nossa Senhora espalhe esta trovoada

São Gregório se levantou
seu pezinho levantou
seu pezinho direito calçou.
E eu perguntei-lhe:
Onde vás São Gregório?
Vou espalhar as trovoadas.
Espalhadas lá para bem longe
onde não haja eira nem beira
nem gadelhinho de lã
nem bafo de gente cristã.

...

Oração do quebranto

Padre, filho, Espírito Santo
Deus é berbe, berbe é Deus
Deus te benza, benza-te Deus
Deus te fez, Deus te criou
Deus te tire o quebranto de quem te aquebrantou
Padre, filho, Espírito Santo.

Benzedura da lua

Lua que por aqui passaste
A cor do meu menino levaste
Quando voltares a passar
A tu cor levarás
E a dele deixarás
Em louvor de Deus e da Virgem Maria
Pai Nosso Avé Maria.

Benzedura à casa

A cada canto da casa e em cruz diz-se:
Cruz de Cristo te faço aqui
Espírito maligno foge de mim.
Aleluia, Aleluia, Aleluia.

Benzedura do retorcido

Coso
Carne quebrada, nervo torto
Mesmo isso é que eu coso
Carne quebrada vai à tua casa
Nervo torto vai ao teu posto
Linha desmentida vai a quem te desmentiu
Linha arrendada
vai a quem te arrendou
Que seja de encontrão, que seja de derrubão
Deus te cura pela tua divina mão
Padre Nosso Avé Maria.
(Reza-se nove vezes no primeiro dia, oito no segundo, diminuindo até uma só vez)

A propósito, não resisto a contar algo que me envolveu. Certa vez viajei com a família para casa dos meus sogros.Uma vez chegados ao destino, demos pela falta de uma mala. Armou-se a confusão, já que nessa mala estava a roupa dos miúdos. A minha sogra, muito despachada, acalmou o pessoal: "eu vou resolver isto, a mala vai  aparecer"! Vai daí, mandou responsar a mala, numa responsadeira sua conhecida. Depois do responso feito regressa a casa muito satisfeita e informa: "a mala está em boas mãos e chegar às vossas".
Dois dias depois, ocorreu-me telefonar para a estação da CP, tendo o chefe da dita respondido que a mala tinha sido achada na sala de espera e esperavam que alguém a fosse procurar.
Jamais, em tempo algum, me atrevi a contestar a convicção da minha sogra de que foi o responso que nos devolveu a mala

Eu encomendo o pedido
à luz e à Santa Bela Cruz
E ao rei da Virgindade e às pessoas da Santíssima Trindade
São Romão que estás em Roma
E estás cruado por cruar
São Romão queira livrar o perdido
De homem morto ma encontrem
Homem vivo mal perdido
Livre o perdido de todo o perigo
E venha às mãos do dono para sempre
E ámen Jesus Maria José.
(se enganarem a dizer não aparece, mas se não nos enganarmos, mais dia menos dia aparece. Diz-se nove vezes a reza. No fim diz-se: "Ó Anjo da Guarda, guarda o pedido para sempre, Ámen Jesus Maria José")

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O verso tem sempre uma moral subjacente. Neste caso, servindo-se da metáfora do melro preto, o autor (desconhecido) conta a patifaria praticada a coberto da noite:

O ladrão do negro melro
Toda a noite assobiou,
Mas, chegada a madrugada,
Bateu as asas... voou!

Aqui, apela-se à condescendência com a mulher que se comportou de forma menos digna:

Se vires a infeliz
Não a olhes com desdém;
Olha que a desgraçada
Já foi honesta também.

Nas bodas dos casamentos, quando é chegado o momento dos brindes - As saúdes - os que têm dotes para a rima, é assim que brindam:

Á saúde dos senhores padrinhos
E mais de toda a companha
E muitos parabéns ao noivo
Pela bela moça que apanha.

Também  o ritual pagão do dia da espiga é cantado:

Quinta feira de Ascenção
Saem as moças pró campo
De vestido cor-de-rosa
Na cabeça um laço branco.
Na cabeça um laço branco,
Trazem as espigas na mão,
Saem as moças pró campo,
Quinta feira de Ascenção.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Ceifeiros de Cuba



Ó minha mãe minha mãe
Ó minha mãe minha amada
Quem tem uma mãe tem tudo
Quem não tem mãe não tem nada.

Ao passar da ribeirinha
Pus o pé, molhei a meia
Não casei na minha terra
Fui casar em terra alheia.

Fui casar em terra alheia
Por não querer casar na minha
Pus o pé, molhei a meia
Ao passar da ribeirinha.

...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Joaquim Pinto da Silva

Um releiro em esquadria
Molhos de espiga dourada
É o sonho do ganhão
Fazer uma linda carrada.

Ainda me lembro de ver
O pão que vinha p'rá eira
Subindo ou descendo a ladeira
O pão que hás-de comer
Como era lindo de ver
Sonhando o carro subia
Um molho a quilha fazia
Nesta planície dourada
Eu o via na chapada
Um releiro em esquadria.

Os molhos de cinto de pão
Depois da seara ceifada
Lembra-me a minha amada
Passeando nas noites de verão
E todos dizem que não!
Já lá vem a madrugada
Meu amor fica deitada
Migas me aquecem o peito
Já vejo de qualquer jeito
Molhos de espiga dourada.

Na chafariz água fresquinha
Começa a dar os bons dias
Manel segue outras vias
Lá prós lados da barquinha
Enquanto eu vou vou p'rá Aguentinha
Com a forquilha na mão
Zig-zag na estrada
Pois ela está mal tratada
Fazer a preceito a carrada
É o sonho do ganhão.

Ao restolho vou chegando
Ouço cigarras a cantar
O pó da estrada deixar
Como elas vou cantando
Como elas vou chiando
Não te posso oferecer nada
A jorna está acabada
Vou passar à tua rua
Vou p'rá eira à luz da lua
Fazer uma linda carrada.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

António Francisco Junior (António Flor)


Messejana terra antiga
Terra da minha glória
Não há ninguém que não diga
Que só te resta a história.

Foste terra de grande valor
Como diz o teu passado
Hoje tudo te têm tirado
Nada tens do teu esplendor
O teu destino é traidor
É que te invalida
Em tudo estás reduzida
Já nada consegues ser
Deitaram-te a perder
Messejana terra antiga

Tiveste alguns lagares
Moagens de farinha em rama
Fábrica de móveis com fama
Um lindo grupo de cantares
Hoje vão-te caindo os pilares
Se não me falha a memória
Dá a mão à palmatória
Que de ti se têm orgulhado
Tens o destino marcado
Terra da minha glória.

Antigamente tiveste
Algo de muito valor
Tiveste farmácia e doutor
E a todos assistência deste
Foste um arco celeste
Sei que há quem o não diga
Com suor e com fadiga
Mas longe tinhas fama
Hoje toda a gente reclama
Messejana terra antiga.

Na Senhora da Assunção
Situada nos olivais
Já lá se não fazem mais
As grandes festas de verão
No dia da Ascenção
Tenho disso a memória
Há a descriminatória
De tudo o que se passou
Já tudo o vento levou
Que hoje só te resta a história.

domingo, 17 de outubro de 2010

Modas alentejanas

A rama da oliveira
Deitada no lume estala
Assim é o meu coração
Quando contigo não fala.

-

Azeitona miudinha
Também vai ao "alagar"
Também eu sou pequenina
Mas sou firme no amar

Oliveirinha da serra
O vento leva a flor
Óhi! óhai
Só a mim ninguém me leva
Óhi! óhai!
Para ao pé do meu amor.

-

Óh rama que linda rama
Óh rama da oliveira
O meu par é o mais lindo
Que anda aqui na roda inteira.

Que anda aqui na roda inteira
Aqui e em qualquer lugar
Óh rama óh que linda rama
Óh rama do olival.

-

À entrada desta rua
Dei um ai, abriu-se o chão
Sepultaram-se as estrelas
Morreu o céu com paixão.

-

Já se acabou a azeitona
Já se acabou o dinheiro
Vamos todos a dar vivas
Ao nosso patrão engenheiro.

Quando o sol nasce inclina
Na bandeira castelhana
Mais vale um dia de amor
Que a jorna de uma semana.

-

Meu amor por me deixar
Pensava que eu morria
Cada vez meu coração
Canta com mais alegria.

À minha porta está lama
À tua é um lameiro
Quando falares de mim
Olha para ti primeiro.

Diz-me lá se caso queres
Fazer as pazes comigo
Dá a mão à palmatória
Voltemos ao tempo antigo.

Esse teu dar à cabeça
causa-me admiração
Quando tens mosca de inverno
Que fará em vindo o verão.

-

Quem me dera que voltasse
O tempo da mocidade
Em que mesmo na miséria
Era feliz de verdade.

Por esse campos sem fim
Cantava com alegria
Mesmo trabalhando sempre
Do nascer ao pôr do dia.

Agora é tudo tão triste
Mesmo tendo vida boa
Que eu ao olhar para mim
Julgo-me outra pessoa.

Mas quando há ocasião
Ainda gosto de cantar
Gosto de me advertir
E o passado recordar.

-

Perguntei a uma mãe
Qual era a dor mais sentida
Se ter um filho na guerra
Ou uma filha na vida.

Essa mãe me respondeu
Em tom triste e amargurado
Para maior desgosto meu
Tenho um em cada lado.

-

Não é o ceifar que custa,
Nem o rigor do Verão;
É o ladrão do macaco*
E o cardo beija-mão.

*Dor nas costas, provocada pela postura a que o corpo é forçado.

-

Adeus oh! vila de Ourique
Já lá tens o que tu querias,
Já tens o Tribunal
À custa das freguesias.

Um homem nunca devia
A mocidade deixar
Nem nunca se fazer velho
Para não deixar de amar.

-

Olha a República que já veio
fazer andar os homens todos num enleio,
Todos num enleio todos num leilão,
E Viva a República!... Viva a Nação!

Estas, são canções de trabalho - modas, no dizer alentejano - que eram cantadas nas safras da apanha da azeitona, das sementeiras, da monda, das ceifas, da debulha.Constam de um interessante texto publicado nos
Cadernos Culturais (nº. III), de Messejana. Modas que eram cantadas também no caminho para o trabalho ou para casa e nas adiafas.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

António Maria Coelho

Manuel de Jesus Silveira

Rego abaixo rego acima
eu atrás do meu arado
faço a minha obrigação
eu também sou um soldado

Nem só com armas de guerra
se defende uma nação
eu atrás do meu arado
faço a minha obrigação

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Manuel de Jesus Silveira

Eu via na minha frente
a conta mal dividida
uns trabalharem demais
outros gozarem a vida

Se o Zé Povinho pequeno
tivesse conhecimento
não havia tanto avarento
cá dentro do nosso reino
dividiam o terreno
chegava para toda a gente
porque a terra permanente
cultivada tudo deu
estar a roubar do que é meu
eu via na minha frente

Quem trabalhava muito comia mal
quem trabalhava pouco comia bem
têm contos mais de cem
e o pobre sem ter real
eram senhores do capital
de boa perna estendida
fazendo a nós a partida
para o banco nacional
o que eu via em Portugal
era a conta mal dividida

O grande cultivador
trabalhava noite e dia
era quem lhe dava a valia
eles roubavam-lhe o valor
trabalhava ao frio e ao calor
suspirando e dando ais
os filhos ao pé dos pais
choravam que não tinham pão
era por essa razão
que uns trabalhavam demais

Eu não os via trabalhar
só lhes via prata e ouro
onde tinham esse tesouro
que tanto dinheiro iam buscar
eu só os via passear
no largo e na avenida
não lhes conhecia outra vida
que era viajarem de carro e trem
só os via comer bem
e gozarem boa vida